Ninguém atrapalha

Tarciso de Assis Jacintho

 

Era um sábado que amanheceu chuvoso. Não uma chuva como as quais temos implorado para amenizar a sequidão e que quando cai, apenas apaga o pó. Era uma chuva torrencial, daquelas de causar poças e barulho nas janelas. Perfeita para ficar em casa. Mas não tinha jeito não, as sete horas eu deveria estar em sala para discorrer sobre finanças com adolescentes, que trabalhavam durante o dia e estudavam a noite e que para aproveitarem aquela oportunidade de um curso técnico o faziam aos sábados, das sete a uma da tarde.

Confesso que minha esperança era que ninguém aparecesse, eu só estava indo porque era o professor. O professor, assim como o padre e os reverendos é um dos profissionais que tem no seu ofício falar quando por muitas vezes o cliente não quer ouvir. Naquela época estávamos começando a ter de forma mais intensa a concorrência dos celulares, ainda não havia WhatsApp, mas já haviam as discussões algo filosóficas em nossos encontros pedagógicos sobre a permitir ou não o uso pelos alunos do terrível celular. Não faz tanto tempo assim, mas os tempos eram outros quando havia chuvas regulares, convênios estaduais e por via de consequência, aulas para se ministrar. Bons tempos. Mas eu não queria estar lá naquela manhã chuvosa. Triste com meu destino naquele momento, molhei os pés nas poças do caminho e me sentindo um verdadeiro patriota, passei na padaria para garantir o pão com café pedagógico que partilharia no intervalo com outros mestres que assim como eu, no sacrifício estavam contribuindo para o desenvolvimento do pais, capacitando aquela geração que chegava.

As vezes levamos o curso de uma vida para aprender algo insistindo em nossos próprios erros, há momentos, no entanto, raros e mágicos em que aprendemos tudo em um segundo. E foi assim que aconteceu. Quando cheguei no colégio fiquei feliz por perceber que minha esperança iria se realizar, não tinha ninguém, exceto um carro estacionado me esperando. Era o pai de uma aluna esperando uma trégua na chuva para deixar a filha em sua cadeira para a aula. Naquele instante entendi tudo. O que é a educação, qual o papel do professor e sobretudo o que é ser humano. Hoje sei que aprendi também que na escola ninguém atrapalha e que ela é para todos da pré-escola até a pós-graduação. Aprendi também que quem na verdade financia a universidade pública não são os pais dos filhinhos de papai, mas dada a regressividade do nosso sistema tributário são sim os pais de filhos dos pobres. Triste pensar que para justificar o injustificável alguns só demonstram o que precisam aprender, por não saberem.

Aquela manhã foi bela, as aulas, a sala dos professores, o café pedagógico. E eu, sensibilizado, olhei para algo que sempre via. No intervalo, alguns alunos iam buscar nossa aluna para ajuda-la pelas rampas e acessos do Colégio Técnico Industrial de Piracicaba.

Jesus sempre incluiu as pessoas. Os pobres, as mulheres, as prostitutas e os corruptos. E muitos impactados pelo seu amor, e só pelo meu amor foram transformados e se tornaram instrumentos para que a Boa Nova chegasse até nós. Estes alunos me lembram os amigos de um paralítico em Cafarnaum, cidade costeira, para frente de Tel Aviv, caminho do mar onde a cura deste ocorreu com a ajuda deles que o levaram até o teto e desceram com ele de lá, para que este pudesse chegar próximo a Jesus. Imaginem se eles achassem que ele atrapalharia? Este milagre relatado nos evangelhos de Lucas e de Marcos, não cita os nomes desses amigos. Dos meus alunos eu lembro seus nomes. São a Tatiana Dezen, economista pela USP; o André Ibanez, engenheiro agrônomo pela Unesp, que aqui representa tantos outros que naquele gesto simples me ensinaram tanto naqueles dias

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Tarciso de Assis Jacintho, administrador de empresas

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