Quem forma os educadores?

Lilian Lacerda

 

A partir do século XIX Piracicaba destaca-se no campo da educação pela opulência de seus edifícios, mas principalmente pelo número de instituições. Vale ressaltar que a oferta de ensino se restringia as famílias mais abastadas. Com o passar do tempo, o desenvolvimento da sociedade e da tecnologia acabaram por desvelar as desigualdades sociais, culturais, políticas e econômicas da cidade. Isso refletiu diretamente na educação da cidade, cuja ancoragem apresenta-se mais densa e mais complexa – que para além da demanda aumentada exponencialmente, passou a contar com legislações próprias para o ensino fundamental, e principalmente para o ensino infantil.

Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação (SME) abrange, segundo “números disponibilizados pelo Censo Escolar 2019 do IBGE” 89 escolas municipais de educação infantil que atendem a 10.881 crianças (PIRACICABA, 2019). Os números são significativos, no entanto, quantidade não reflete necessariamente em qualidade. Ademais, aqui, queremos tratar da questão da formação docente, que frente aos desafios impostos pela dinâmica social, apresenta-se como ponto sensível e a discussão imprescindível.

Prevista no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), a formação sistêmica sancionada pela Lei 13.005/2014, é composto de 20 Metas e 254 estratégias que contemplam a visão sistêmica de formação: M13 propõe ampliar a proporção de mestres e doutores no ensino superior para 75%, sendo no mínimo, 35% doutores; M16 propõe assegurar formação em nível pós-graduação a 50% dos professores da educação básica até o ano de 2024; e a M18 busca assegurar, no prazo de 2 anos, planos de Carreira para os profissionais da educação básica e superior pública. Para a educação básica a referência será o piso salarial nacional estipulado em lei, pelo governo federal. Portanto, a lei prevê a formação inicial, ingresso na carreira, formação continuada, plano de carreira e salários.

Quanto a formação continuada, esta será de responsabilidade das secretarias de educação (estaduais, distrital e municipais), promovida dentro da própria escola do professor; dentro das redes de ensino, por meio de cursos, eventos e atividades de trocas de experiências e ações formativas; no ambiente externo, como o incentivo à participação em congressos e outros eventos acadêmicos, além de cursos de pós-graduação em instituições de ensino.

O documento aponta que a formação continuada deve ser um critério para ascensão na carreira professor. Infelizmente, as instituições de formação, professores e gestores, as universidades e a sociedade civil não tiveram participação efetiva na elaboração do texto – quer seja das Diretrizes, quer seja da Base Comum Curricular Nacional (BNCC). Assim, as mudanças preconizadas nas políticas e programas de formação docente devem ser compreendidas a partir do contexto político, social, geográfico e cultural, principalmente se consideramos que a política de formação docente prevista na BNCC está ancorada no discurso da qualidade da educação básica, embora arquitetada numa estrutura de regulação, de concepção neoliberal.

Exposta as considerações legais, em março de 2020 fomos surpreendidos pela crise sanitária imposta pela COVID-19 que acarretou na suspensão das aulas, a princípio por tempo determinado. Os profissionais da educação entraram em recesso por quinze dias e, logo em seguida, em férias coletivas de 30 dias por determinação da resolução 03/2020, amparada pelo Decreto Municipal 18.225 de 19 de março de 2020 que “Declara situação de emergência no Município de Piracicaba e define outras medidas para o enfrentamento da pandemia decorrente do COVID-19”.

Apenas após quarenta e cinco dias do isolamento social, a Secretaria Municipal de Educação de Piracicaba passou cobrar dos professores trabalho online e organizar pautas voltadas a formação dos profissionais da rede. Os professores sem nenhum treinamento, foram obrigados a usar seus equipamentos pessoais (celular, tablet, notebook), sem estrutura (rede de internet, wi-fi, cadeira com ergonomia) de uma hora para outra tiveram suas atividades alteradas sem nenhum respaldo da SME, seja tecnológico, seja de formação; passaram a produzir vídeos de maneira a se comunicarem com as crianças e suas famílias com sua identidade e privacidade expostas, haja vista que tal modalidade de trabalho não consta no contrato dos professores e a SME não tem documento de direito de imagem dos mesmos.

Muitas secretarias se adaptaram: criaram estúdios de gravação, material didático/pedagógico e passaram a ofertar formação adequada e pertinente ao momento que estamos vivenciando. Daí a pergunta: como uma cidade com a malha de atendimento, com a dimensão e potencial de arrecadação como Piracicaba, que se gaba pelo número de atendimento e pela suposta qualidade da educação pública trata seus profissionais com tamanho descaso?

Simples, a referida qualidade é minimamente possível graças aos esforços descomunais realizados pelos profissionais que atuam em sala de aula; que se desdobram para cumprir com o solicitado, ainda que muitas das tarefas não sejam de sua incumbência.

A SME impôs demandas aos professores, desde criar vídeos até realizar “busca ativa”. O silencio no que tange a formação dos docentes foi ensurdecedor. Temos previsto na Lei n° 5.684, de 5 de janeiro de 2006, a “Semana da Educação do Município: “Art. 52. Fica instituída, anualmente a Semana da Educação, no período de 9 a 15 de outubro”. Secretarias com o nosso porte – e até menores – realizaram suas atividades de forma remota sem prejuízo aos profissionais e, ainda, com uma abrangência maior – já que não envolveu deslocamento, contra turno de trabalho dentre outros. A SME de Piracicaba não se manifestou nem ao menos justificou a não realização do evento. Previsto para o mês de outubro, estamos na eminencia de mais um evento que, pelo silencio, mais um ano sem acontecer.

O que a SME oferece a seus professores hoje, são cursos rápidos realizados em horário de contra turno de trabalho. Os professores que precisam trabalhar dois turnos por conta dos baixos salários ficam descobertos. Vale ressaltar que esses cursos não são frutos de consulta nem das reais demandas de sala de aula.

Esse longo período marcado pela pandemia trouxe aos educadores o desafio e a oportunidade de refletir e repensar a prática pedagógica, o exercício da docência. Assim, alguns questionamentos e preocupações passaram a permear o trabalho docente. Quais as fragilidades desveladas durante o período pandêmico? A ausência de incentivos e politicas de formação de professores tem sido desconsiderada em detrimento do plano de carreira dos profissionais? Como a falta de medidas sanitárias efetivas impactam no trabalho docente e na qualidade da educação?

As contradições se impõe e torna urgente uma reflexão mais ampla que resulte no reforço da educação pública, de seu papel político-pedagógico e de novas diretrizes capaz contribuir com a garantia do direito a formação dos profissionais da educação, da criação de uma plataforma pública que envolva as instituições de educação básica e superior (ensino e pesquisa).

A SME precisa urgente romper com a lógica da formação adaptativa e pragmática, que representa um projeto educativo alienado e ultrapassado e não faz jus ao trabalho realizado nas escolas.

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Lilian Lacerda, professora

 

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