Neopentecostalismo e a fé como alento social

 Adelino Francisco de Oliveira

 

Transitando pelas comunidades de Piracicaba salta aos olhas, mesmo ao observador não muito atento, a forte presença religiosa, definindo uma realidade tomada pela dimensão da fé. Apesar de Piracicaba profunda ser uma cidade marcada pela diversidade no campo religioso, é a fé cristã que desfruta de ampla hegemonia. Essa verdade para a cidade de Piracicaba não deixa de refletir uma característica geral que toma a cultura brasileira. Sem dúvida, a religiosidade é um aspecto central da identidade do povo brasileiro.

O movimento neopentecostal deu novo impulso ao cristianismo, mas também trouxe uma compreensão sobre a doutrina cristã descolada das reflexões advindas dos estudos da teologia. O neopentecostalismo possibilitou que a experiência religiosa assumisse uma dinâmica mais espontânea e intuitiva, desprendida dos milenares rituais que marcaram a longa tradição do catolicismo.

Esse é um ponto importante, o neopentecostalismo, de alguma maneira, aproximou o povo, o crente, dos mistérios da fé, rompendo com a perspectiva de uma hierarquia religiosa que detinha o total controle de acesso ao Sagrado. Em outras palavras, o neopentecostalismo permitiu que a pessoa mais comum passasse a falar, com autoridade, sobre a religião, orientando a conduta moral do crente.

Desponta, então, um cristianismo profundamente popular, alicerçado na centralidade da leitura bíblica, nos cultos tomados por intensa musicalidade, nos testemunhos sobre milagres, no dom do falar em línguas, em uma fé que promete prosperidade para o crente, na lógica de retribuição e graça como respostas à fidelidade do fiel.

As comunidades mais periféricas tornaram-se o espaço das pastoras e pastores, das missionárias e missionários, das diaconisas e diáconos. Gente do povo que, a partir de uma experiência mística, inaugura um tempo de pregação, em igrejas improvisadas. Tudo isso não deixa de representar um interessante movimento de democratização da difusão e interpretação da mensagem cristã.

A questão é que também emerge, na dinâmica do neopentecostalismo, um cristianismo sem base teológica, sem exegese e nem hermenêutica. Apenas interpretações livres, quase pueris do imaginário religioso, com forte conteúdo moral, mas também com respostas para as mazelas da vida. Em um contexto em que a realidade social e econômica sufoca todas as esperanças e a população se percebe totalmente abandonada, desamparada, sem políticas públicas, a religião passa a ser o único refúgio a projetar possibilidades de alguma retribuição e também prosperidade.

Nas comunidades vive-se uma grande efervescência religiosa, muito aos moldes da visão milenarista, denunciando os sinais dos tempos, na expectativa de uma intervenção messiânica. É evidente que essa maneira de conceber a religião incide na forma de compreender a vida em seu conjunto, inclusive na atuação política. O caminho de reconstrução social passa por abrir diálogos com essas comunidades tão profundamente religiosas, em um movimento cultural que possibilite o despertar de uma consciência crítica.

Antes de tudo, é preciso um olhar aberto, plural e de tolerância para as manifestações religiosas das comunidades, compreendendo, na dureza do cotidiano e da pobreza, que o espaço da fé é o grande alento. Todavia, a crítica cumpre seu papel ao realizar a mediação capaz de entender a história, o significado da religião e como ela pode produzir e justificar exploração, opressão ou até mesmo emancipação.

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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected] ; @Prof_Adelino_; professor_adelino

 

 

 

 

 

 

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