Como dói, como dói!

Cecílio Elias Netto

 

Há poucos dias, despertando de uma anestesia, vi o cirurgião e sua equipe olhando-me alegremente. Atordoado, eu nada entendia. Não sabia onde estava. Ainda delirando, acreditei ver cenas da Idade Média, as invasões do povo germânico, os vândalos, ao lado dos bárbaros de Barba Roxa. Quase em pânico, quis perguntar: “E o Engenho Central? Eles ocuparam o Engenho?”  Senti-me culpado por ter cedido à anestesia, cão de guarda que não latira à chegada dos invasores.

Diante do caos a que fomos lançados, diante dos que “brincam de casinha” com uma cidade tão grandiosa, alimento uma esperança: a de que, em futuro próximo, candidatos a cargos eletivos sejam submetidos a exames de competência para disputarem eleições. Pois é destruidor para gerações vindouras que se entreguem poderes legislativos e administrativos a pessoas despreparadas para a função

Aconteceu-me, uns dias depois, ver filhos e netos reunidos ao meu redor. Foi uma oportunidade quase única, tão distantes moram e vivem uns dos outros. Foi-me um fim de semana abençoado, a alegria de, ainda, poder ver a minha ninhada reunida. Foi quando como que um relâmpago me alcançasse a razão, uma clareza de entendimento: “Louco, o que você está fazendo? Já nas cerimônias de adeus, sofrer numa era de mediocrizações, de vulgaridades? Liberte-se, conte apenas as histórias que tem que contar.”

Vi-me inútil diante de tanto cinismo e indiferença. Mas não o fiz, ainda que minha geração tenha motivos para tristezas. Foram tempos iluminados por Juscelino Kubitschek, por Carvalho Pinto,  Jorge Amado,  Bossa Nova,  Vinicius, Maria Ester Bueno, Pelé, entre a multidão alegre e esperançosa. E eis que, agora, aí está um certo Jair Messias, o ápice de uma decadência há décadas anunciada.

Ah! a Piracicaba que adoramos tanto. Para mim, tudo começou com Luciano, o Guidotti. E está prestes a acabar com outro Luciano, Almeida. Fiquei viciado em grandezas, em iluminações: Mário Neme, Archimedes Dutra, Thales de Andrade, João Chiarini, Leandro Guerrini, Jaçanã Altair, Cacilda Cavaggioni, Branca de Azevedo. Na Cultura do município, homens um departamento de excelência, com Losso Netto, Flávio Toledo Piza, Sebastião Ferraz, Salvador de Toledo Piza, David Antunes, os Vitti – uma constelação de cultura.

Agora, vejo-os divertindo-se com fantasias, regozijando-se por uma verba extra de 800 mil reais para seus caprichos de mudança de instalações. Quantos concursos de literatura, de música, de teatro, de dança, de pintura e, enfim, de arte e cultura poderiam promover à classe artística desassistida e desempregada? Ignorar a tragédia social e brincar com caprichos de moços mimados? Vamos avaliar: 10 concursos culturais com prêmios de 80 mil reais; ou oito, com 100 mil reais. Quantos jovens pintores, escultores, músicos não poderiam ser beneficiados? Isso seria uma ação cultural. Fazer mudanças inúteis nada mais é do que fazer mudanças inúteis

Por que não se dão um mínimo de humildade e, pelo menos, consultam os seus antecessores ainda vivos? Pergunte-se-lhes: por que não “ocuparam” o Engenho Central? Eles estão aí: Adilson Maluf, Mendes Thame, José Machado, Gabriel Ferrato, Barjas Negri.

E sei que alguns dirão de minha insistência quanto a essa violação. Sim, são gritos de indignação, de socorro, de protesto. Ou haverá, ainda, em Piracicaba, quem – além de aprendizes de homens públicos – desconheça o valor e a grandeza desse tesouro de nossa existência?

Nada mais posso fazer. A não ser contar histórias. Sem saber para quem.  Mas como dói!

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Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana ([email protected]); Blog: cecílio.blog.br

 

 

 

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