Nem Borba Gato nem cachimbo

Camilo Irineu Quartarollo

 

Havia nos anos oitenta uma grande camisaria e sua propaganda dizia que tinham camisas para homens grandes e a estátua de Borba Gato pedia “tem pra mim, aí?”. Ainda não chegamos nesse número, dizia o comercial. Atualmente, a estátua com dez metros de altura inaugurada em 1963 e, além de representar o bandeirantismo, camisaria de gordo, imobiliárias, grupos do Orkut, posou com placa das Diretas-já, usou colete salva-vidas no Projeto Sobrevivência, foi pichado em vermelho sangue e de preto carvão – tornou-se um grande mural.

Quem “mata um leão por dia”, ao passar de ônibus por Santo Amaro, não dará tanta atenção àquela silhueta de botas com sobrenome Gato, do escultor Júlio Guerra, ganhador do concurso público em homenagem ao quarto centenário da cidade e que começou a obra no próprio quintal, dando à estátua um olhar fixo, ingênuo e perpétuo. Quem desconhece a história e seus maus-feitos fica com a sensação da potência masculina patriótica. Cada estátua é atacada por motivos próprios e diversos, mas as estátuas têm histórias mais interessantes que os próprios personagens que se pretendam representar.

Pouco se sabia da existência em carne e osso desse senhor Borba até a queima dos seus pés, cujo exemplar reflete formas artísticas da metade do século XX. Na escola, no meu primário de tempos da ditadura, ele era um “grande” bandeirante, cheio de predicados pátrios, de chavões históricos, grande homem, herói, benfeitor, desbravador, povoador, genro do caçador de esmeraldas – não confundir com caçador de marajás ou com outros mitos e mulas sem cabeça.

Estátuas não representam a História em si, da mesma forma nem a tietagem a torturadores como a Brilhante Ustra. Pior que a ereção de estátuas são as patriotadas e homenagens bizarras, as quais celebram a morte e a destruição de pessoas e patrimônios. Não estamos diante da esquerda ou direita, mas entre o ser e o não-ser nação.

A historiografia tem documentos, registros e confrontação de dados e não se faz pelo simples ardor de um revoltado ou de um personagem romântico. O processo histórico é dinâmico e não perdoa, tem consequências, inclusive pelas omissões. Pizarro, Cortez, Lênin, Saddam Hussein e outras famigeradas estátuas foram postas ao chão, depois de protestos, processos, decisões políticas ou guerras. Entretanto, Deus me livre meu padrinho Cícero Romão Batista!

Eu não retiraria a estátua gigante de Juazeiro, porque representa a fé dos romeiros nordestinos, uma Meca deles, atual e legítima. Há diferenças simbólicas entre o estranhamento a Borba Gato e à devoção ao “Padinho Ciço”. Na nossa província mesma, na qual quem ama o feio belo lhe parece, temos o Dourado na rodovia Luiz de Queiroz de Piracicaba, pichado inúmeras vezes. Quanto à estátua do Borba Gato, enorme e visível, virou um bom cabide de panfletos e placas e, ela própria, garota-propaganda. E o cachimbo? Ah, tem na NET, pesquise por Magritte.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente judiciário, escritor, autor de Quixote em busca do Santo Gral, entre outros

 

 

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