Turismo cemiterial: por que não?

Armando Alexandre dos Santos

 

A cidade de Piracicaba, entre muitos outros privilégios, tem também o de ser possuidora de um riquíssimopatrimônio cultural, material e imaterial. Seu rio, caudaloso, e impetuoso (quando não está, como agora, em fase de baixa…), sempre foi inspirador de poemas, de canções e de numerosas obras de arte. No grandioso complexo do Engenho Central, sede da Secretaria Municipal da Ação Cultural, atualmente comandada e dinamizada pelo meu amigo Adolpho Queiroz, realizam-se atividades culturais, como a Paixão de Cristo, a Feira das Nações, o Salão do Humor etc. Vale lembrar também o magnífico edifício da ESALQ, cercado por extensa área verde; o Mercado Municipal; a estação da Paulista, agora transformada em centro cultural; o Cemitério da Saudade, um dos mais antigos do País, repleto de obras de arte, a rua do Porto, numerosas casas particulares tombadas e tanta coisa mais. Tudo isso é cultura e tem muito a ver com turismo.

Do ponto de vista imaterial, é ainda mais notável o patrimônio cultural de Piracicaba, mas não é dele que vamos tratar neste artigo. Nosso objetivo é falar do Cemitério da Saudade, tema do livro “Somos todos iguais”, escrito pelos jovens historiadores Maurício Fernando Stenico Beraldo e Paulo Renato Tot Pinto – obra muito oportuna que está sendo lançadapelo Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, com apoio da SemacTur.

Como já dito acima, o Cemitério da Saudade é de uma riqueza extraordinária. Além de obras de arte muito valiosas, um passeio guiado por sua área representa um mergulho na história do passado piracicabano. Não somente grandes vultos da história nacional ou local ali estão sepultados, mas também considerações de caráter sociológico, cultural, até mesmo econômico, podem ser feitas a partir da observação do local.

Existia na cidade, há alguns anos, e ignoro se ainda continua ativa, uma representação da ABEC (Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais), entidade que reúne professores universitários e estudiosos de cemitérios. Há cerca de 15 anos, recordo que a ABEC realizou em Piracicaba um congresso internacional, no qual foram apresentados estudos pluridisciplinares envolvendo História, Arte, Arquitetura, Direito, Sociologia, Economia etc. Vieram representantes do Brasil inteiro e também estudiosos peruanos, colombianos e equatorianos. Lembro que esse congresso promoveu, em conjunto com a Prefeitura Municipal, um concurso de redações escolares sobre tema Cemitério, e que fui um dos jurados nesse concurso.

Para os estudos cemiteriais em Piracicaba, sem dúvida é muito importante o lançamento do livro de Maurício Fernando e Paulo Renato. Gostaria, entretanto, de frisa que esse lançamento não deve ser visto como um ponto de chegada… e sim como um ponto de partida. É desejável que, seguindo o exemplo dele, se intensifiquem os estudos cemiteriais e se incentive o turismo cemiterial em Piracicaba.

O conceito de turismo cemiterial ainda provoca estranheza no Brasil, mas na Europa é praticado com toda a naturalidade. Em Paris, por exemplo, visitas aos cemitérios do PèreLachaise e de Montparnasse, onde estão sepultados políticos, escritores e artistas famosos, são propostas em todos os guias turísticos. Para monarquistas como eu, seria possível ir a Paris e não visitar o cemitério de Picpus, no qualeramenterradas, em vala comum,as vítimas da Revolução Francesa, com as cabeças separadas do corpo pela sinistra guilhotina?Lá foram depositados os corpos das 16 Carmelitas de Compiègne, mortas durante o Terror; mais tarde beatificadas como mártires pela Igreja Católica, inspiraram obras-primas da literatura (“A última no cadafalso”, de Gertrude von Le Fort, e “Diálogo das Carmelitas”, de Georges Bernanos) e foram celebradas pelo cinema, pela televisão, pelo teatro da Comédie Française e até em uma ópera famosa.

Seria interessante que, em torno dos autores do livro e de outras pessoas interessadas pelo tema, se constituísse (ou se reconstituísse) aqui em Piracicaba um núcleo ativo da ABEC. Poder-se-ia formar um grupo de trabalho destinado a fazer com que professores e agentes educacionais das escolas públicas e particulares da cidade se animem com a ideia de levar os alunos a realizarem visitas monitoradas ao Cemitério da Saudade. Além de um verdadeiro banho de cultura, essas visitas teriam o salutar efeito de combater preconceitos ainda existentes sobre os cemitérios. Em outras palavras, é preciso que todos compreendam que cemitério não é só local de tristeza e dor, é também local de cultura.

Esse trabalho deveria, no meu modo de entender, usar o método da “bola-de-neve” que começa pequena e vai crescendo aos poucos. Ou seja, em vez de projetar desde logo ações grandiosas, sugiro começar pouco a pouco, modestamente, procurando atrair para o grupo de trabalho os próprios alunos que se mostrem mais receptivos e interessados. Depois, transformar esses alunos em propagandistas e difusores da ideia. Tudo de modo a, paulatinamente, conseguir um crescimento do trabalho e uma maior divulgação dele.

Já existem há vários anos folhetos muito bem elaborados, sobre o Cemitério da Saudade. Agora, temos também o livro. São materiais de divulgação preciosos, os quais se prestam muito para o trabalho. A utilização de rádio, TV, imprensa e redes sociais também pode ser feita. Há abertura, em todos esses veículos de comunicação social, para a ideia.ASemacTurcom certeza dará todo o apoio institucional, que será de enorme valia. No âmbito da SemacTur poderiam ser realizados concursos alusivos ao cemitério, sobretudo entre escolares. Além de redações, também concursos de fotografias podem ser realizados.

Uma grande vantagem dessa iniciativa é que ela é extremamente barata. Os custos serão mínimos. Ela será quase toda feita por voluntários. Algumas despesas extras, de maior vulto, poderão ser pagas graças a subsídio da Prefeitura ou a doações particulares.

A meta é mostrar a todos, professores e alunos, como o cemitério, assim como existe e se mantém há mais de 100 anos, é importante para a fixação da identidade cultural da cidade, da sua especificidade, na sua unicidade e alteridade em relação a qualquer outra.

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Armando Alexandre dos Santos, Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba

 

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