Esperança em tempos sombrios

Rodolfo Capler

 

No primeiro cânone de sua “Crítica da razão pura” (1781), Immanuel Kant assume desenvolver sua filosofia partindo de três perguntas essenciais: “O que posso eu saber? O que devo eu fazer? O que está me permitido esperar?”. A terceira questão elaborada por Kant “O que está me permitido esperar?”, aparece outra vez (em 1790), em sua posterior obra “Realidade e Existência” e só pode ser ensinada pela religião, segundo o filósofo.

Há pelo menos 200 anos – desde a irrupção da Revolução Francesa -, a nossa necessidade de esperança tem sido alvo de tentativas de saciabilidade por parte da política, ou como destacou o cientista político Jacob Talmon em “The Origins of Totalitarian Democracy”, pela “democracia totalitária”.

De lá pra cá, os atores formais da política (os políticos profissionais), tornaram-se mercadores de esperança. Eles fazem marketing dum mundo ideal explorando muitas vezes a latente aspiração humana pela utopia. Deles ouvimos que a ganância, assim como a corrupção e a violência podem ser suprimidas pela aplicação de determinados métodos ou programas políticos. Eles pregam uma sociedade perficiente na qual a prosperidade de todos levará em conta a prosperidade de cada um e onde todos viverão em harmonia, respeitando a diversidade e tendo o suficiente para viver bem. Dessa maneira, tornaram-se falsários e vendedores de ilusões, pois oferecem a esperança de dias melhores – algo que só pode nascer de fontes transcendentais, conforme destacou Kant em sua filosofia.

A esperança pode ser definida como a expectativa de coisas boas que raramente nos sobrevêm no dia a dia, ou de acordo com o teólogo croata Miroslav Volf, “amor projetando-se no nosso futuro e no futuro do mundo”.

Segundo a tradição cristã a esperança é “virtude divina”. Para um dos maiores teólogos do século XX, o alemão Jürgen Moltmann em “Theology of Hope” [Teologia da esperança], a esperança se distingue do otimismo, pois – ao contrário deste, que, antes de tudo é uma crença ingênua no progresso automático e que para se manifestar depende das boas condições do passado e do presente -, ela se relaciona com o futuro que surge de “um outro lugar”; nas palavras de Moltmann, “a esperança é um “adventus”, ou seja, é a expectativa de coisas boas que no sobrevêm como um presente de Deus (ela não necessita de condições promissoras para se consumar).

Levando isso em conta não conseguiremos nos movermos em direção ao futuro e resistirmos às pressões da vida sem esperançarmos dias melhores.  Por isso, necessitamos dum encontro com a esperança! Do contrário, sucumbiremos diante dos novos horrores deste mundo.  Moltmann a experimentou aos 17 anos enquanto era prisioneiro no campo de concentração de Norton Camp, na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial. Eu, a abracei na adolescência, após a trágica morte dum primo. Muitos estão encontrando-a na tragédia da pandemia… Porquanto esse é o modus faciendi da esperança: ela nos alcança em momentos de calamidade.

Em tempos sombrios como os nossos a esperança emerge não apenas como possibilidade de êxito vindouro, mas como oportunidade de cooperação no mundo. No cerne do futuro esperado por todos nós (sem pandemia, desgoverno, ódio, corrupção, autoritarismo, racismo, homofobia, pobreza, injustiça, impunidade…), está a prosperidade humana e planetária. Assim, a esperança (que é um presente divino que nos faz expectar coisas boas), tem de nos colocar em contato com os nossos semelhantes, rumo à solidariedade universal.

Uma palavra de ânimo, uma ligação inusitada, um “como você está?”, uma oração na madrugada, uma escuta paciente… Todas essas coisas podem acender a esperança no coração de quem se encontra desesperado. Parafraseando Rubem Alves, até mesmo um “morango à beira do abismo” é suficiente para suscitar a esperança, pois ela se alimenta de pequenas coisas.

_______

Rodolfo Capler, pesquisador, teólogo e escritor; e-mail: [email protected] /Instagram: @rodolfocapler

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima