Rodolfo Capler
Estamos no mês da visibilidade LGTBQIA+. Nos últimos dias 25 e 28, comemorou-se – respectivamente – o Dia Nacional do Orgulho Gay e o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. Por ocasião da campanha e das datas comemorativas – que tem sido apoiadas por inúmeras instituições e personalidades -, a discussão em torno da “cura gay” voltou à tona no Brasil.
O entendimento de que a homoafetividade pode ser reorientada mediante terapia vem gerando grandes discussões nos últimos 20 anos. Após o projeto de lei nº 4931- que dispõe sobre o direito à modificação da orientação sexual -, escrito por Ezequiel Teixeira em 2016 (popularmente conhecido como “cura gay”), e a resolução 001/99 do Conselho Federal de Psicologia, que entre outras coisas, emitia limites e restrições éticas para psicólogos em relação a práticas pseudo-terapêuticas de reversão sexual, os debates acerca do tema tornaram-se frequentes e o método da “cura gay” se tornou assunto disputado, sobretudo entre às alas cristãs-evangélicas.
Em 24 de setembro de 2019, a ministra Cármem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu uma decisão da Justiça Federal no Distrito Federal que autorizava psicólogos a atender gays e lésbicas que buscavam mudar sua orientação sexual. A vetação da decisão gerou um grande frisson, pois trazia a lume a seguinte questão para o debate público: a homossexualidade é uma orientação sexual ou uma patologia?
Se se permite o tratamento da cura da homossexualidade de forma técnica, então a mesma ganha status de patologia e dessa forma precisa ser comprovada cientificamente. Entretanto, a ciência não concluiu que a homossexualidade é uma doença. Sendo assim, a decisão de permissão para reversão sexual com amparo científico (cura gay), é uma violação dos direitos humanos fundamentais, porquanto estereotipa e patologiza a pessoa homossexual.
Me posiciono contrário a proposta da “cura gay”, visto que a sua implementação não colide apenas contra os interesses políticos da comunidade LGBTQIA+; ela é, antes de tudo, uma ofensiva contra o princípio da dignidade humana – o fundamento do estado democrático de direito. Pense comigo sobre os transtornos que isso originará às crianças que demonstrem tendências à orientação sexual homoafetiva? Tais crianças serão vilipendiadas com a prerrogativa do respaldo técnico-científico, o que resultará em sérios agravamentos de ordem psicoemocional para as suas vidas. Segundo o psicólogo Klecius Borges[1], dados internacionais obtidos por entidades que atuam no atendimento à população LGBTQIA+, apontam para o crescimento da taxa de suicídios entre homossexuais que passam por terapias de reversão sexual.
Algumas lideranças evangélicas e católicas, quando questionadas sobre a proposta de “cura gay”, mostram-se favoráveis ao procedimento. O que ignoram, é que isso se levanta como um grande problema teológico, pois, partindo do pressuposto de que a homossexualidade é uma doença, então a sua prática não pode ser considerada um pecado sob o ponto de vista bíblico-teológico (caso contrário, Deus seria considerado injusto ao condenar uma doença – involuntária – como pecaminosa). Dessa forma, os líderes cristãos que apoiam o exercício da “cura gay”, caem em contradição em seus argumentos falaciosos.
Em linhas gerais, a tradição cristã ortodoxa proclama que há mudança para quaisquer comportamentos e condutas humanos e entende a prática homoafetiva como decorrente de um comportamento repreensível, sendo, portanto, passível de reversão. No entanto, uma coisa é alguém crer – baseando-se num instrumento de fé, que é a Bíblia Sagrada -, na transformação espiritual de algo compreendido como fruto dum comportamento reprovável, outra, totalmente diferente, é promover um tratamento científico para a cura de uma doença não comprovada no campo da ciência.
Isto posto, penso que ao invés de fazer lobby para autorização da prática da “cura gay”, muitos grupos religiosos fundamentalistas, assim como a Frente Parlamentar Evangélica (Bancada Evangélica), deveriam lutar, também, pela aprovação de emendas jurídico-constitucionais que permitam aos psicólogos fornecerem tratamento para a “cura da corrupção”, “do negacionismo científico”, “do autoritarismo” e “do charlatanismo religioso”, entre outras verdadeiras doenças morais.
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Rodolfo Capler, pesquisador,teólogo e escritor; e-mail: [email protected] /Instagram: @rodolfocapler
(1) Texto digital, Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/04/pastor-se-diz-ex-gay-curado-gracas-a-deus-e-a-terapia-de-reversao.shtml>. Acesso em: 18 junho 2021.
Ótimo reflexão. Parabéns pala sobriedade do texto!