12 de junho

Antonio Lara

 

Encontrei num sebo um precioso livrinho de 1930, do poeta Ribeiro Couto, publicado pela Cia. Editora Nacional. Abri o livro com a curiosidade de qualquer intelectual que dê de cara com raridades bibliográficas e encontrei, nas folhas amareladas, uma candente história de vida. É que, logo na página de rosto e abaixo do título da obra – Canções de Amor – está oposto, com letra fina de delicada, um subtítulo a lápis: “Do nosso amor – de Joanna e Alcides. SP 13/09/35”.

Eu não creio em fantasmas. Mas nos do amor há que acreditar. Tenho a certeza de que fui escolhido pelo ectoplasma de uma velha paixão para ressuscitar um sentimento que dormia há 79 anos entre as páginas de um livro de poemas, como as pétalas de uma flor seca.

O livro impresso, com esse outro, manuscrito à margem dos versos, é um diálogo entre autor e leitor. No caso, um co-autor, que grifa frases do poeta e acrescenta as suas conclusivamente. Ouçamos, por exemplo, a Canção da Espera Feliz: “A esperar-te me comovo./ Quem espera sempre alcança, / diz a ciência do povo./ Tu não me sais da lembrança …” Isto basta para que o Alcides continue as reticências, acrescentando as suas, provavelmente com mão tremula : “… um momento sequer.. E eu?”

Eis uma pergunta inquietante. E ele?… Ele que deve estar com medo de que o coração da sua Joanna não sofra tanto quanto o seu. E confirma o temor, no final da mesma canção, quando Ribeiro Couto confessa: “Põe-me os olhos rasos d’água/ essa dor mansa e pungente”. Confissão a que é oposto, enfático e afirmativo, o eco manuscrito: “Tão pungente”. Claro que um namorado de hoje teria dito “bota pungente nisso”. Mas Alcides é um namorado de ontem, comportado, romântico e alheio, aquele momento – da Segunda Guerra Mundial – as turbulências que veriam fazer implodir todos os amores inocentes da face da terra. O que importava aquele enamorado de 1935 era a doce certamente bela Joanna, a quem dedicava a Canção Apaixonada, não escrita por ele, mas lida e assinada embaixo: “A minha canção, Alcides”.

De vez em quando, o livro se molha de água e lágrimas: “Dia de chuva! Que lindo,/ que bom para a gente amar!/És a tristeza caindo,/ chuva que cais a cantar”…” “Então Alcides, imiscuindo-se nos versos brasileiros traduz um conhecido poema francês:” Chove no meu coração…”.

Nem sempre, porém, a conversa entre autor e leitor é tranqüila. Nas estrofes finais dessa mesma Canção de um Dia de Chuva, Ribeiro Couto renega as agruras do amor, numa reação saudável: “Ponho-me a ler, comovido,/ uns versos sentimentais./ E me foges do sentido…/ Esqueço… Não sofro mais”. Para que?… É quando um indignado Alcides se insurge contra o poeta,

não só riscando com uma cruz a lápis o “Não” do último verso, como reafirmando sua própria negativa diante da traição lírica: “ Isto é que não!”.

O auge do desespero passional, porém, vem reconciliatório na Canção Solitária, quando o poeta soluça: “Estou sozinho. A noite longa…/ A noite bem longa, perdida!”. É quando Alcides soluça junto, com a grafite de seu lápis: “Bem longa esta noite de 13 de setembro…”

Que dia terrível teria sido esse na história de amor de Joanna e Alcides? E onde estarão hoje os dois enamorados? No outro lado da vida, trocando juras imortais? Ou ainda neste mundo, velhinhos fiéis, prosaicamente rodeados de filhos e netos? Ou será como acontece nas cirandas do amor, que terão se casado ele com outra Joanna e ela com outro Alcides?

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Antonio Lara, articulista, [email protected]

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