Til para Pirã-cy-caba

Noedi Monteiro

 

Nome nasalado original do tupi-guarani emprestado à cidade pelo rio e majestoso salto: “lugar onde o peixe para”. Fenômeno inspirativo de Til (1872), acento ortográfico e metáfora personificada em Berta, protagonista, a contemplar, no romance histórico e regionalista de José de Alencar (1829-1877), a sinuosidade do caudal caipiracicabano e paulista. Piracicaba-SP (Constituição). É tornada, cenário caipira e romântico (1826-1846) pelo autor, à narrativa de personagens adolescentes de Santa Bárbara d´Oeste, SP. E como pano de fundo e palco do enredo, a fazenda com escravos, terreiro (pátio para festejos e animações), quartel ou quadrado de fazenda (pátio rodeado de senzalas) do Conselheiro Antônio da Costa Pinto e Silva (1827-1877), o Bairro Monte Alegre, em que estada e mergulha nas vivências, valores culturais locais e regionais, o romancista.

Alencar afrobantiza Piracicaba ao carregar no texto literário, a identidade e experiências caipiracicabantus da Vila, a possuir, 993 escravos em 1816; 893 (1817); 909 (1818); 1.170 (1822); 2.303 (1828); 622 escravas num total de 2.378 cativos (1836). Cinco mil em 1860. Identifica pelos “lanhos da face” (marcas e sinais) de casta manjola fixada em Constituição, africanos bantus do Congo-Angola (África Ocidental) encontrados na região sudeste. Reproduz palavras da família bantu. Do quimbundo: candonga, canhambola (quilombola), embigada (umbigada), fubá, lengalenga, moleque, monjolo, mucama, senzala, tanga, capanga, zumbi. Quicongo: cachaça e samba. Grupos etnicorraciais referenciados: branco, bantus, carafuz/cafuzo, mulato, e bugre. Traços negros: carapinha (cabelo crespo, pixaim). Os alvos dentes dos negros que destaca vêm a se estereotipar pelo imaginário popular e assemelhar a alvura, à canjica, para jocoso e depreciativamente, ser verbalizado “mostrar a canjica”, “negro quando sorri mostra as canjicas”, “as canjicas do negro”. Sinaliza alguém com um termo racista: tição. Estereotipa os lábios da negra (beiços grossos ou carnudos) apelo à sensualidade. Instrumento musical: urucungo (berimbau). Interjeições usadas pelos africanos: Ixe!, Pxu! Na fonética Alencar observa na fala dos bantos “engolir-se o r afogando o l” a tratar-se gramaticalmente da apócope, quando os fonemas sofrem supressão final: contar (contá) cafezal (cafezá), mel (mé), a mostrar, a influência afro-negra na linguagem e costumes do povo brasileiro. Alencar recolhe impressão da arte do improviso com os negros, ao entoar cânticos, nos labores do eito do cafezal. Criatividade repercutida no cururu pelos repentistas afrodescendentes, de saudosa memória, Moacir Siqueira (Moacir Bento de Lima, 1937-2015), Parafuso (Antônio Cândido, 1920-1973) e Pedro Chiquito (Pedro Francisco Prudente, 1915-1991).

Alencar reportar-se ao batuque de “embigada”/umbigada (tambu, batuque, caiumba, Dunga, MA, Pagará RS, SP, Semba) à beira da fogueira, na Fazenda Monte Alegre, zona leste do Município. Batuque do africano Monjolo. O retumbo do batuque de umbigada de Piracicaba guarda nomes indeléveis de sua história e escolas. Mestres Avelino Ferreira Alves (1923-1982), Dado (Osvaldo Ferreira Merches, 1932-2020), João-Joana (João Roque, 1890-1959) e a filha Cacilda Roque de Oliveira (1924-2002); Plínio (Antônio Manoel, 1918-2005), Belo (João Baptista Marçal, 1918-1998), Tio Tônho (João Baptista Antônio (1928-2004), Tio Tônho (Teotônio de Moura, 1927-1995), Tia Leopoldina de Souza Toledo (1892-1965) as filhas, parentes e a sobrinha-bisneta Esmeralda Helena Ribeiro de Toledo (1946-2021). A família negra Soledade do Pau-Queimado, zona rural, em propriedade de mais cento e sessenta anos, realiza a cada vinte e quatro de junho, desde 1915, o mais antigo batuque de umbigada de Piracicaba.

Uma das modas da umbigada colhida por José de Alencar: “Cadonga, deixa de partes/É melhor desenganar,/Que este negro da carepa/Não há fogo pra queimar.” Por último, vem a Congada, com festa e cortejo, a ressignificar, a coroação da Rainha Njinga Nbandi de Ndongo e do Matamba, e do Rei do Congo, na praça da matriz de Santo Antônio, em Constituição (Piracicaba).

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Noedi Monteiro, professor aposentado, mestre em educação, historiador, membro do IHGP

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