Brasileiros invisíveis

Camilo Irineu Quartarollo

 

Dos milhares de mortos assinalados… É um tema que eu gostaria de fugir, mas não consigo, é surreal, meu Deus. Fugimos das pessoas a tossir, nos escondemos sob máscaras de polipropileno para evitar a de oxigênio, nos benzemos com álcool gel ridiculamente por medo do vírus invisível que, por ironia, torna visível o contingente de pessoas sem documentação – o governo não sabia! São 38,1 milhões de almas. Nossos brasis, onde somos vendedores de água e doces no semáforo, moradores de rua ou de longínquas favelas além morro, quilombolas, indígenas, catadores de caranguejos ou de recicláveis, fazedores de bicos e outros, que não há registro nem mesmo de que nasceram.

São tantas mortes e artigos que escrever sobre pandemia torna-se quase banal. Vejo muitos artigos sobre o assunto e abordagens dos mais diversos aspectos como os científicos, políticos, econômicos, urbanístico, laborais, das fakenews. De hora para outra somos confinados às nossas casas em home office. A casa de abrigo torna-se o lugar das trincas, dos pequenos consertos, das pinturas, da limpeza que a mulher passa a dividir com o marido que agora não pode se esquivar. As questões comezinhas vêm à tona, casais se separam, homens aprendem a cozinhar, familiares se descobrem estranhos, mas aquela flor sobre o parapeito parece nos sorrir de manhã, pois a pandemia traz a realidade do que somos, mas também do que podemos ser.

Estamos todos assustados, é certo. Oprimidos sob essa realidade pedindo clemência, somos derrotados todos os dias com milhares de mortos! Antes morriam-se longe, agora é o vizinho, a vizinha, famílias debaixo dos nossos narizes e lá no morro agoniza o sol sob milhares de mortos diários por um único vírus.

Não dá para omitir casos tão presentes, que nos põem à prova, nos amedrontam. Aguardamos por vacinas que não nos chegam, omissão de governantes, que ao invés de prover se dão ao deboche.

Enfim, a pandemia nos faz seres humanos ridículos, temerosos, sobreviventes e dignos, somos todos invisíveis a este governo, exceto se o criticá-lo.

De tudo se vê uma grande falta de bom senso, de capacidade de compreender a vida civilizada. Ainda vivemos num mundo “encantado”, de gente que crê que o mal somente pega nos outros, que os nossos não morrem, que somos mais resistentes. “Se eu estiver bem e vacinado…” Ainda se crê que a responsabilidade é dos outros, que uma simples lei é suficiente, que um candidato de nossa simpatia vai resolver. Que a religião é a solução para tudo e que o Altíssimo vai desprezar a ciência para resolver por vias sobrenaturais aos “escolhidos estúpidos”. Infelizmente hoje, em grande parte, a religião se transformou num espetáculo medíocre de público pagante e de pouca reflexão. Ainda que a prática religiosa possa ser um potente remédio da alma, se usada sem soberba ou predestinação tola.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, autor do livro A ressurreição de Abayomi dentre outros

 

 

 

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