100 dias de governo. E agora?

Raphael Torrezan

Ewerton Clemente

 

Essa semana foi marcada pelo encerramento de uma etapa importante para os governos municipais: os primeiros cem dias de governo. Como regra, é durante esse período que os prefeitos eleitos validam os relatórios de transição e buscam compreender com mais detalhes as principais demandas da população e os desafios da máquina pública, definindo as prioridades e ações de governo para os próximos quatro anos.

A legislação eleitoral determina que todos os candidatos a prefeito devem apresentar um plano de governo como condição de registro para sua candidatura. Entretanto, o plano de governo consiste em estabelecer diretrizes e objetivos estratégicos para a gestão, haja vista que geralmente os candidatos não possuem as informações necessárias ao diagnóstico e à definição dos programas de governo.

Nos primeiros cem dias de governo o prefeito eleito precisa evoluir da visão estratégica em direção à ações de natureza tática e operacional. Isso quer dizer que é nessa fase que o governo deve canalizar as diretrizes políticas para a elaboração das metas e planos da gestão, amparado na expectativa de recursos orçamentários e financeiros.

No entanto, os desafios deste novo mandato são ainda maiores em relação a outras eleições, até mesmo para os mais experientes. Esses problemas dividem-se em três fatores de risco: (i) a pandemia oriunda da Covid-19; (ii) a deterioração macroeconômica brasileira; (iii) as dificuldades inerentes ao primeiro ano de mandato.

O agravamento da pandemia impôs uma série de obstáculos aos municípios paulistas. Além da crise sanitária que demandou mais recursos para ampliação de leitos, aquisição de oxigênio, testes, medicamentos e demais insumos hospitalares, o senso comum institucionalizado e a falta de sensibilidade de grande parte da população tem tornado a coordenação das políticas públicas em âmbito local e regional cada vez mais difíceis, adiando a reconstrução econômica – reduzindo a renda dos paulistas e aumentando o desemprego e a dependência do Estado a partir da deterioração de indicadores sociais.

De acordo com os indicadores sobre a economia brasileira em 2020, a variação anual foi negativa em 4,1%. O período mais difícil para a economia foi o segundo trimestre, quando registramos queda de mais de 9% em relação ao 1º trimestre. O expressivo crescimento do terceiro trimestre se deu sobre uma base excessivamente deprimida, mas o dado do último trimestre de 2020 sinalizava possível recuperação em 2021, apesar de 1,1% inferior ao mesmo período de 2020.

As expectativas positivas vinham ancoradas na recuperação do produto, pelo lado da oferta, e pelo crescimento na margem de 20% da FBCF, pelo lado da despesa, inaugurando um incipiente movimento de substituição de importações. Todavia, o agravamento da pandemia, ações descoordenadas, aumento do desemprego, resistência do governo federal em potencializar uma política fiscal expansionista e falhas no programa nacional de imunização deterioraram fortemente as expectativas sobre a economia.

Alguns pontos a respeito da conjuntura econômica brasileira tem sido pouco debatidos, mas gradualmente aparecerão e, inevitavelmente, terão que ser enfrentados. O primeiro deles diz respeito à péssima qualidade do orçamento público federal para 2021 e coloca em dúvida se a peça orçamentária contemplará de maneira satisfatória os repasses voluntários aos municípios ou se as restrições orçamentárias e financeiras criarão ainda mais obstáculos para as ações de enfrentamento ao Covid-19, apesar da abertura de créditos com os superávits do exercício anterior e autorização para que os municípios utilizem os saldos dos fundos de saúde e assistência social de outros anos.

Medidas tributárias recomendadas para os primeiros anos de mandato estão com efetividade reduzida. A crise atual impôs rigorosos limites a qualquer aumento da carga tributária. Ações voltadas à recuperação de defasagem na arrecadação, principalmente no que diz respeito ao IPTU, tem pressionado a taxa de inadimplência.

Junto ao eventual problema orçamentário há a inflação galopante. Apesar de existirem explicações plausíveis a respeito da alta da inflação (alta do dólar, aumento no preço dos insumos, crise sanitária), o poder público não se encontra completamente preparado para isso. Muitas prefeituras possuem seus contratos fixados em índices que estão nas alturas (o último IGPM foi de 30%), ao mesmo tempo em que suas receitas não acompanham esse crescimento vertiginoso.

Por fim, existem os desafios inerentes ao primeiro mandato. Sobre os ombros dos novos mandatários encontram-se as expectativas de superar o quadriênio anterior. Para os prefeitos recém eleitos, em sua maioria, há a expectativa que o presente mandato seja superior ao de seu antecessor. Espera-se muitas vezes saídas rápidas para problemas antigos, bem como a cristalização das promessas de campanha em um curto período de tempo.  No caso dos prefeitos reeleitos, há a sombra do seu próprio mandato anterior somada a cobrança redobrada da população que, em sua concepção, apostou na continuidade em detrimento da novidade.

No entanto, esse é um momento de pés no chão. O primeiro ano de mandato sempre será um momento de reestruturação, do recém-eleito conhecer a máquina pública e compreender que seu timing é diferente da coisa privada.

Para os prefeitos reeleitos, o cenário também transforma-se, não há mais reeleição, a composição política municipal também se transforma, e o foco pode ser exclusivamente nas promoção de políticas públicas eficientes, mas muitas vezes impopulares. Isso é ainda mais latente nesse quadriênio, pois os alicerces econômicos, sociais e sanitários encontram-se abalados, incorrendo em maior atenção no gestor público municipal.

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Raphael Torrezan, doutorando em Economia pela Unesp Araraquara; Ewerton Clemente, Bacharel em Economia pela Unimep

 

 

 

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