José Renato Nalini
O Brasil já foi considerado uma potência verde. Desde a década de setenta, Paulo Nogueira Neto já se interessava pela elaboração do conceito de sustentabilidade, objeto do relatório Bruntland, de 1987. Havia Chico Mendes, havia Dorothy Stang, surgia Marina Silva, depois a grife que ocupou o Ministério do Meio Ambiente e que o mundo saudou. Com razão. Foi alfabetizada aos dezessete anos, era extrativista, sabia respeitar a natureza.
Em 1988, veio a Constituição Cidadã, que elaborou a mais bela norma de direito ecológico do século XX, o artigo 225. Instituiu o direito ao ambiente saudável como bem da vida fundamental e teve a ousadia de erigir como sujeito de direito, o nascituro. Não era a previsão de mera expectativa de direito, mas efetiva titularidade daquele que ainda não nasceu. Isso potencializou a responsabilidade dos viventes: zelar pela natureza, como bem da vida essencial, para que os que ainda não nasceram tenham também oportunidade de se maravilhar com tudo aquilo que se disponibilizou a todos nós e àqueles que nos antecederam.
Quatro anos depois, a reunião da ONU que ficou célebre, no Rio de Janeiro, como a ECO-92. Quase duzentos chefes de Estado se comprometeram a tutelar o ambiente, para reduzir a emissão de carbono.
Tudo sinalizava que o Brasil preservaria a sua condição de líder ecológico. Todas as razões para isso, pois detentor da maior – e última – floresta tropical do planeta. Da maior quantidade de água doce. De uma exuberante biodiversidade. Celeiro do mundo, clima favorável, oito mil quilômetros do mais belo litoral da Terra.
Infelizmente, a partir daí tudo retrocedeu. Em Joanesburgo, dez anos depois, até os princípios foram negligenciados. Continuou a crescer o desmatamento. A poluição de todos os espaços. Solo, água e ar empesteados. A nociva produção de resíduos sólidos e dejetos, a contaminar o globo sofrido. O Código Florestal, que existia na República desde 1934, foi singelamente revogado. A lei que se chama hoje de “Novo Código Florestal”, não menciona o verbete “florestal”. Foi uma imposição de um agronegócio que não consegue conciliar preservação e produtividade.
Mas nada se compara aos tempos presentes. O Ministro do Meio Ambiente declarou, em plena reunião do Ministério, que o advento da peste serviria para “soltar a boiada”. O que significa isso? Desmanchar as estruturas de tutela arduamente edificadas durante várias gestões. Desregulamentar tudo aquilo que se produziu para a defesa de uma entidade frágil: o ambiente.
Exoneração de agentes estatais que se opuseram às queimadas criminosas da Amazônia, do Pantanal, do Cerrado e de outros biomas. Estímulo à grilagem de terras públicas, ao garimpo ilegal em territórios demarcados como reserva indígena.
A comunidade internacional se manifestou e foi hostilizada. Ridicularizou-se a jovem Greta Thunberg, que assumiu corajosa postura, recordando os adultos de que eles estavam inviabilizando a vida futura e até mesmo a vida presente, pois o aquecimento global afeta o passado, o presente e o porvir.
Para piorar as coisas, a presidência da Comissão do Meio Ambiente da Câmara Federal foi entregue a deputada que não tem especial afeição pela natureza. Por isso é que se reclama hoje um protagonismo singularíssimo por parte da lucidez pátria.
Quando o governo federal deixa de cumprir a Constituição da República, a Constituição “Verde” ou “Ecológica”, é obrigatório um esforço hercúleo de parte do Estado, dos Municípios e da Cidadania.
Defender o maior patrimônio de que o Brasil dispõe, é dever de todos. São Paulo dá o exemplo: acaba de ser aprovado o ICMS verde, incentivo à tutela ecológica. Também procura restaurar a vida do rio Pinheiros.
O município de São Paulo prometeu plantar uma árvore para cada vítima da Covid. Se isso vier a ser efetivamente cumprido, por ora serão mais de 300 mil novas árvores para renovar o oxigênio paulistano. Mas e os outros municípios? O que estão fazendo?
Há muito a ser feito. Recuperar córregos poluídos ou sepultados sob asfalto. Replantar as árvores eliminadas. Zelar pela biodiversidade em rota de extinção. Além de tudo, levar a sério a educação ambiental, para que todas as pessoas, de todas as idades, sejam conscientizadas de que o risco é para a vida, não para o planeta. Enfim, o ambiente pede socorro. Está na UTI. Somente a insensibilidade é que não consegue enxergar o perigo.
______
José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo