José Renato Nalini
A pandemia escancarou a legião dos invisíveis, dos informais, dos desalentados e dos desempregados. Nós não nos preparamos para a Quarta Revolução Industrial, nossa indústria foi sucateada e empurramos nossa juventude para estudar conteúdos que não garantem sobrevivência.
Além do problema econômico, da fragilidade dos arranjos familiares que começam a padecer pela falta de recursos financeiros, imprescindíveis à sobrevivência digna, o desemprego pode criar desordens psíquicas diversas. A mais comum é a depressão.
O desempregado, primeiro, se sente inútil. Em seguida, acha sua vida insignificante. Fica envergonhado porque está fora do mercado de trabalho. Não consegue encarar sua família, seus amigos, seu círculo de convivência.
O processo é simples. Enquanto trabalhamos, temos algumas horas do dia reservadas às tarefas. O tempo passa. Quando não temos nada a fazer, parece que as horas são mais lentas. Custam a passar.
O tempo livre, que é uma ambição de todos os trabalhadores, para o desempregado é um inferno. O problema é que, embora reclamemos do trabalho, durante muito tempo considerado um castigo – “comerás o pão com o suor do seu rosto” – na verdade ele é uma benção.
Quem tem o privilégio de fazer o que gosta, é – como dizem – sopa no mel. O trabalho vira diversão.
O tédio é a companhia mais frequente do desempregado, assim como costuma ser do aposentado e dos inválidos.
Sentir-se excluído, não estar participando do labor, não colaborar com a produtividade, é uma pena acessória ao desempregado.
O importante seria conseguir enxergar o desemprego pela perspectiva correta. Todos valemos como indivíduos. Não importa que, momentaneamente, não fomos absorvidos pelo mercado de trabalho.
Depois daquela fase de meditação, em que podemos nos auto-indagar o motivo de estarmos desempregados, o interessante seria pensar em como subsistir até que novas oportunidades surjam.
Essa etapa talvez sirva para nos reciclarmos. Pensar o que gostaríamos de fazer e ainda não conseguimos. Há cursos disponíveis pela internet, para um leque imenso de funções, muitas das quais já podem ter sido nossos sonhos infanto-juvenis.
Os cursos vão servir para dar sentido à nossa vida, agora com tempo para aprender, para ler, para estudar.
Pensar que há muitas ocupações que necessitam de pessoas qualificadas e estas não existem.
Lembrar que há carências múltiplas na nossa sociedade, sem gente que as encare. Assumir a nossa fragilidade e ser humilde, o suficiente para aceitar funções que não são aquelas compatíveis com nosso preparo, nem correspondem às nossas aspirações.
Tenho o exemplo de um professor de educação física, pós-graduado, festejado personal trainer, que ficou à míngua assim que a pandemia impediu que continuasse suas aulas.
Resignou-se a ser repositor em um supermercado. Animei-o a aceitar a experiência, para verificar o quão importante é o mister de que se encarregou. Conviver com pessoas diferentes.
Uma amiga professora passou a fazer doces e a vende-los para outras amigas. Outra pessoa apanhou tudo o que possuía em sua casa e era dispensável, e se dispôs a vender. Um outro começou a fazer mudas de plantas ornamentais e seus vasos passaram a ser procurados.
O importante é ter força e coragem para não se deprimir. Há idosos à procura de cuidadores. A jardinagem não pode parar e há pessoas que têm “mão verde” e conseguem fazer de um jardim um recanto realmente prazeroso, pois a natureza responde generosamente ao nosso investimento.
Há uma lenda oriental interessante: todos os dias, um pássaro se abrigava nos ramos de uma árvore em meio a uma vasta planície deserta. Um dia, um vento forte derrubou a árvore e obrigou o pobre pássaro a voar muito longe, em busca de abrigo. Foi assim que chegou a uma floresta inteira de árvores carregadas de frutos.
O que parece uma desgraça pode não sê-lo, se tivermos coragem de enfrentar a tempestade. São muitos os brasileiros que terão de se requalificar para enfrentar a automação. Tenha fé. Tenha esperança. Há muito a ser feito e você tem condições de atuar para melhorar o mundo.
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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo