Vacinismos

Camilo Irineu Quartarollo

 

Artistas e celebridades retrô voltam para espantar a propaganda negacionista, mas ainda não chegou a nossa vez. Com fechamentos de restrição em algumas cidades não houve assaltos a supermercados, mas tem gente pondo a mão nas vacinas.

Alguns influentes vacinam familiares, alegando “amor”. A vigência da “ética própria”, do “nóis-pode”. Uns privilegiados vão aos EUA e lá tomam a vacina, outros fretam jatinhos para tomar a Soberana em Cuba. A população invisível, ora o povo, quantas ampolas são… Somos 210 milhões menos 4.000, 5.000 pessoas que morrem diariamente. Quem sabe, até o IBGE padece de falta de verbas!

Com o aumento exponencial da transmissão, veio a pressão dos “contra isolamentos” – que funcionou bem em países e na vizinha Araraquara, não querem parar nem por um segundo; assim também quem está “com a corda no pescoço” em sua lanchonete, sem proteção de auxílio governamental.

Quem se vacina primeiro?

Em São Paulo houve uma seguradinha na vacinação dos idosos e decidiu-se vacinar duas categorias, policiais e professores, com maior exposição ao vírus, e com isso os policiais podem atuar com menos riscos e os professores podem ficar cara a cara com alunos futuramente vacinados. Também se vacinam os prioritários de 68 anos, mas os de 67, 66, aguardam…

Os da linha de frente agora seriam mesmo os coveiros. A logística é para prover caixões, sacos pretos e evitar contaminação dos lençóis freáticos. Luta e luto na trincheira da morte, mas os templos religiosos ainda se acham ilesos, reabrem-se. E depois de catorze dias vão benzer os corpos?

Os mais fracos, idosos, indígenas foram os primeiros. Pela regra da exposição, a categoria dos motoristas de ônibus, lixeiros, jornalistas e outros também “merecem” tomar vacina primeiro? Depois outras corporações entrarão por certo e vão à Justiça por isso! O efeito dominó se instaurando a regra dos mais idosos prioritários, dos velhinhos, se torna mais lenta.

Entretanto, em se falando em exposição, quem mais se contaminou pelas cepas que chegaram de jatinhos ou avião de carreira foram pessoas que moram distante do núcleo das cidades, os periféricos, esquecidos na longa e histórica fila do descaso social. Os que poderiam contaminar o motorista e o cobrador. Esses cidadãos computados na roleta dos ônibus de horários reduzidos, de vida árdua, que nem o governo federal os conhecia antes do primeiro auxílio emergencial. São os que mais morrem, se expõem diariamente na cidade e à noite voltam, infectados ou não, às casas apertadas, e proibidos de dançar, cantar, regozijar-se com seus iguais, fora da moradia.

O vírus pode contaminar também os que se acham ilesos em seus mundos de vidro fumê, climatizados. O vírus põe máscaras de oxigênio em negacionistas, quebra protocolos, mata políticos, homens bonitões, mulheres charmosas, entubados sem a anestesia dessa política de má sorte.

Vacine-se já.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, autor de A ressurreição de Abayomi, dentre outros livros  

 

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