Meu colega, o robô

José Renato Nalini

 

Queira-se ou não, a automação chegou. E vai ser cada vez mais intensa, o que assusta aqueles que fazem trabalhos automáticos e repetitivos. Nem sempre demos conta dessa paulatina substituição da mão-de-obra humana pela máquina, mas ela existe desde há muito. Recentemente, acompanhei a substituição do estafante trabalho do cortador de cana pelas imensas estruturas mecanizadas.

Elas reduziram o terror das queimadas, contra as quais lutei de forma insana, quase sozinho, na Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça e depois no Colendo Órgão Especial. O capital munia-se dos melhores profissionais. Eram talentosos, convincentes, seduziam a maioria.

A adoção da colheita mecânica não foi generosidade ou preocupação ecológica. Os usineiros consideravam menos dispendioso mecanizar do que honrar as crescentes obrigações do Ministério do Trabalho, que exigiam condições dignas para os “boias-frias” recrutados em Estados menos desenvolvidos.

Seja como for, as queimadas diminuíram. Porque no STJ, elas eram prestigiadas. Houve ministro que as comparou às “borboletas prateadas do progresso”. E no STF, apenas a ministra Rosa Weber se convenceu de que elas eram nefastas para o ambiente e para as pessoas afetadas.

A automação é uma tendência da qual não se conseguirá fugir. No Brasil, ela ameaça 54% dos empregos, segundo a Universidade de Brasília. Porém, o cenário não é inteiramente assustador. Acena-se com a cooperação entre a máquina e o homem. É o que sustenta Thomas Davenport, professor de tecnologia da informação e gerenciamento da faculdade Babson, nos Estados Unidos.

Para ele, os produtos manufaturados serão mais inteligentes, autônomos e controlados por softwares. A Inteligência Artificial será atuante e os robôs não serão os que conhecemos hoje. O uso da 5G permitirá que eles aprendam entre si e se transformem para uma eficiência cada vez maior.

Embora o ser humano seja ineliminável, haverá cada vez mais parcerias. Pessoas trabalhando ao lado de máquinas que dirão a elas como conseguir melhores resultados. Só perderá emprego quem se recusar a trabalhar nesse novo ambiente, cada dia mais híbrido.

Por enquanto, muito pouca gente se preocupa com o futuro. Isso porque não se sabe exatamente como serão os empregos do porvir e, por enquanto só se constata aumento da capacidade, não verdadeira automação.

Como o ritmo da automação é muito lento e a mão-de-obra ainda é barata, parece não haver pressa. Somente empresas providas de pessoas muito especiais é que começaram a planejar o seu amanhã. Os exemplos conhecidos são o da Amazon, que treina seus funcionários a se esmerar em habilidades digitais como gerenciar rede de computadores, criar aplicativos, programar. Já o IP Morgan Chase considera os empregos individualmente, mediante avaliação de quais serão as habilidades necessárias para daqui a algumas décadas. Uma terceira vertente é a da Unilever, que dá um recado aos trabalhadores: não sabemos como será seu emprego no futuro, mas – com certeza – será diferente. decida você mesmo que tipo de habilidade você precisará. De nossa parte, vamos tornar seu aprendizado o mais fácil possível.

No entanto, a parte desconhecida do que se faz deve ser muito mais interessante e vasta. Como é que a China está preparando as novas gerações para continuar a ser potência econômica e tecnológica? E os países árabes, que têm recursos financeiros infindáveis, ao menos enquanto a humanidade não conseguir se livrar dos combustíveis fósseis?

A experiência que tive com os Emirados Árabes Unidos, durante a gestão na Secretaria da Educação, foi inspiradora. A dinastia Zayed se preocupa com novas matrizes energéticas e estimula a juventude de todos os continentes a contribuir para a criação de soluções sustentáveis.

É confiar na mocidade. Os millenials, os nativos digitais, têm desenvoltura para trabalhar com o virtual, com a digitalização. Por isso as startups disparam e várias delas já são unicórnios, inclusive no Brasil.

Não se deve temer o que virá, embora se saiba que a ciência e sua serva, a tecnologia, deixarão a ficção científica tornar-se estorinha infantil. Encontrar prazer em funções que não desaparecerão, mas que terão lugar reservado nas próximas décadas. Pois o ser humano ainda é o mesmo. Sua essência é idêntica à dos primeiros hominídeos. Adapta-se a tudo. Por isso, não se assustará ao ter, como colega de trabalho, um robô.

Talvez o robô seja alguém cuja convivência possa ser mais previsível e, quiçá, até mais prazerosa do que a companhia de outro humano. Robô não competirá, não puxará tapete, não fará fofocas. Não será maledicente.

Ao menos, é o que se espera.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

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