Templos e vendilhões

Camilo Irineu Quartarollo

 

No limiar da era cristã, na hora noa e de nuvens pesadas e suspensas, pendia da cruz o último profeta e o véu do templo rasgou-se de cima abaixo. O cristianismo dá novo influxo ao mundo dos despossuídos, nus como o crucificado pelo mundo com a eleição de um novo senhor, que não era grego nem romano, nem Dionísio, nem Baco, nem mesmo Júpiter.

No ano setenta d.C., as tropas de Tito arrancam até as pedras de fundação do templo em busca de metais preciosos e crucificam centenas de judeus, ruína. Marcos escrevera por volta do ano 67 e essas coisas estavam por acontecer. Jerusalém é terra arrasada. O profeta chora pelo lar destruído, pelos que elevaram a voz, e por isso, mortos. Cidade que mata profetas!

O templo não fora somente um bom negócio projetado por Herodes ao expandir o antigo feito por Salomão, criando agora a esplanada dos gentios e fluxo de mais devotos e oferendas, dando uma torre de sentinela aos romanos, para lhes acalmar. Herodes criou uma verdadeira casa bancária, onde se vendiam oferendas, trocavam-se moedas, favores, política, terras e religião.

Na entrada do templo ficavam as salas de estudo dos escribas – era também a casa da Justiça e sala de reunião dos sacerdotes, dentre os quais alguns piedosos como José de Arimateia, Nicodemos e Gamaliel.

O velho Herodes, matador de inocentes, morrera deixando quatro rebentos principescos, um da Galileia e assassino de João Batista no banquete macabro, genocida como o pai. Enquanto Herodes Antipas construía a rica cidade de Tiberíades junto ao lago Genesaré, grassava uma pandemia de lepra e outras doenças pela região, cujo médico também subia a Jerusalém na páscoa, e desde a infância.

Do pátio dos gentios até o templo de Salomão propriamente dito estavam os negociantes com cabras nas costas, com bois laçados, cujos animais defecavam no piso, enquanto junto às colunas, em meio a esse alvoroço, levitas orientavam o povo sobre a lei e numa destas colunas o próprio Jesus.

As lojas ficavam sob as escadarias, mas os vendilhões subiam regatear animais a serem ofertados e, no Jardim das Oliveiras, possuíam moinhos, viveiros e silos, tudo para venda de sacrifícios. Era um sistema “perfeito” de se financiar o bem-estar próprio e os males gerais da nação.

Na hora da morte do crucificado, ao cair da cabeça, ventos e tempestade se abateram sobre a cidade e a cortina mui alta e grossa do Santo dos santos, onde ficava a arca da aliança, rasgou de cima abaixo. O rasgão no lugar mais sagrado do templo evidencia uma quebra de contrato, o abandono do antigo lugar sagrado. Ali não haverá mais sacrifícios, vendas de animais, troca de moedas. O verdadeiro sacrifício está além de templos, suntuosos, bonitos e ocos, o ser humano é o templo e o jardim viçoso de Deus, do nascer, crescer, morrer, semear, numa troca perpétua. Doravante vale o dito à samaritana sobre a adoração “em espírito e em verdade”.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, autor do livro A ressurreição de Abayomi entre outros

 

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