Angústia…

Cecílio Elias Netto

 

O vírus não é, assim, tão estranho em nosso ninho. Ele, apenas, faz parte do eterno mistério da Vida. Não deveríamos, pois, surpreendermo-nos, nós que, por decisão própria, tantas tragédias, desde a Criação, trazemos ao mundo. O vírus faz parte dos ódios, das incompreensões, das guerras, das lutas fratricidas, da opção do ser humano pela desumanidade.

Lentamente – mas sem nos darmos conta disso – foi-nos minada a prepotência.  Reis da criação, eis que nos tornamos vassalos do invisível. Cadê nossa vitória contra a natureza? Cadê a nossa superioridade? Cadê o homem, senhor das coisas, para quem todas elas foram feitas? Cadê o novo Ícaro que chegou a Marte e à Lua?  E – como consequência do horror – cadê o meu olhar de ver estrelas, cadê o perfume das flores, cadê o riso das crianças? O que me dói no coração? O quase tudo se transformou em nada, por quê?

Daí, apresenta-nos a angústia. Que acontece quando se está na presença do nada. E, então, a própria carne do homem vê-se diante de todas as possiblidades, especialmente aquelas que o ameaçam. Estar angustiado é, pois, sentir-se ameaçado sem saber pelo quê. Ora, é possível que isso passe ou que isso nos devore. Logo, ao mesmo tempo, o homem equilibra-se ou divide-se entre a esperança e a desesperança. Angústia é o encontro com o nada: nada a fazer, nada dizer, nada entender. E, nesse mergulho no Nada, envolvemos também pessoas, mesmo as mais próximas e queridas. Na angústia, elas não podem nos ajudar. A não ser pelo silêncio, pela espera, pela compreensão. Nelas, também está o Nada.

O vírus trouxe-nos a grande angústia. Para alguns, sinônimo de ansiedade; para outros, de depressão. Mas, sempre, o nada, o não saber, a sensação de impotência e de imobilidade. Quase todos estamos assim. A exceção está naqueles que não perdem a oportunidade de, em qualquer situação, ganhar alguma coisa. Eles mantêm viva a realidade desastrosa do homem medieval: “se chegar ao poder, apodere-se de tudo. E tenha capacidade para não perder.”

Viver, porém, é perder. Ganha-se o inenarrável presente de nascer, uma oportunidade única, mágica, a festa. Destinada, porém, a acabar. O desafio, pois, é ter sabedoria suficiente para, em estando na festa, aproveitá-la com alegria. O vírus chegou para avisar-nos, para nos lembrarmos disso: a festa acaba. Então, perde-se o que se ganhou. Ou fica-se com o tanto que desejou sem saber para que serve.

Levamos como que um duro golpe na nuca. Atordoamo-nos: o vírus, o desgoverno, a falta de liderança. Vivemos, também, a perplexidade da angústia. Sim, passará. Mas esperar por isso é aceitar ser vencido pelos adversários. No entanto, estamos, apenas, derrotados. Provisoriamente, desde que nos levantemos da lona. A sabedoria do povo sabe como.

Na angústia do Nada, lembro-me das grandes discussões sobre o Existencialismo, atiçadas quando da vinda, ao Brasil, dos gurus da época, Sartre e Simone de Beauvoir. Era o fogaréu das controvérsias sobre o “ser do homem no mundo”, as possibilidades de todos os imprevistos, o Nada. Lembro-me de nunca tanto ter-se falado na morte. Pairando sobre tudo, havia um pessimismo amargo, paralisante. A angústia, porém, era apenas filosófica, teórica. Mesmo assim, alguém, filosofando, proclamou: “Apesar de tudo, eu continuo aqui.”

Que nos sirva de inspiração: “Apesar de tudo, ainda estamos aqui.” Ainda. Homem de fé, não estou entre os que pedem para Deus resolver a tragédia. Peço inspiração. E, a partir dela, prudência para entender, sabedoria para decidir. Enquanto continuo aqui…

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Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana ([email protected])

 

 

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