A Realidade Absoluta e o Islã

Gabriel Chaim

 

O texto desta edição propõe uma viagem ao Oriente Médio e uma introdução aos fundamentos da arte Islâmica. Retifico, como de costume, que não há intenção de proselitismo, apenas em apresentar parte do argumento dogmático que dá suporte à manifestação criativa visual muçulmana. Tentarei sintetizar e justificar os conceitos que embasam a natureza abstrata da Arte Sacra no Islã.

Um dos principais conceitos que regem a arte Islâmica é sua natureza aniconísta. Aniconismo é a rejeição de qualquer representação visual como meio de adoração; portanto, diferentemente do cristianismo, não encontramos uma “iconografia islâmica”. A Arte Sacra muçulmana é abstrata por excelência. Para ilustrar o que quero dizer, gostaria de transportar o leitor à Meca, cidade sagrada dos muçulmanos. Lá, alega-se que há uma estrutura cúbica chamada Kaaba que foi construída por Abraão e seu filho Ismael milhares de anos antes do nascimento do profeta do Islã. Naturalmente, em sua gênese, a Kaaba foi dedicada ao Deus invisível de Abraão, portanto, vazia. Conforme os séculos se passaram, essa estrutura se tornou repleta de ídolos que eram oferecidos pelos diversos peregrinos que, dessa maneira, desafiavam sua intenção original. Contudo, a presença dos ídolos é finalmente expurgada com a vinda do profeta Muhammad, fazendo da Kaaba vazia novamente. Isso é uma alegoria importantíssima pois trata-se do local mais sagrado da fé islâmica. Milhões de pessoas peregrinam para Meca para se deparar com essa estrutura cúbica essencialmente vazia, já que a presença de Deus é absoluta e irredutível a qualquer ídolo ou imagem.

 

Azulejos otomanos “a Kaaba”, Século XVII. Walters Art Museum, EUA

 

Graças a sua herança semítica e como a mais nova dentre as religiões Abraâmicas, o Islã toma uma postura severa quanto ao terceiro mandamento das leis de Moisés: “Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem esculpida, nada que se assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo na terra, ou mesmo nas águas que estão debaixo da terra (…)”. Essa aversão à representação visual é um mecanismo de se evitar a idolatria e reduzir a presença universal de Deus a algo finito, tangível e efêmero (como visto no parágrafo acima). Em comparação, dentro das mesquitas, em paralelo às catedrais, o espaço se faz abundante, pleno. Não há altares ou imagens que sirvam como veículos de engajamento com a presença do Divino; os adornos são apenas arquitetônicos, geométricos ou caligráficos. Essa ausência de imagem serve dois propósitos, como explica o historiador da arte Titus Burckhardt: o primeiro é eliminar uma “presença” que possa se opor à “Presença Máxima de Deus” (que em si é invisível) e compelir o fiel ao erro da idolatria; o outro é justamente expor a transcendência de Deus já que sua “Essência Divina” não pode ser comparada a absolutamente nada.

 

A Grande Mesquita de Córdoba, Espanha.

 

No Islã, as palavras “Não há deus senão Deus” (la ilaha illallah) é parte do processo de conversão chamado de “Testemunho” (shahadah). Essa frase implica em muitas camadas de interpretação e entre elas, Martin Lings, mestre sufi, trabalha esta mesma ideia como “Não há realidade senão a Realidade Máxima” e, ao se referir a uma “Realidade Máxima”, contê-la, mesmo que simbolicamente, é absolutamente impossível. Portanto, no sufismo (na perspectiva esotérica do islã), experienciamos essa “Realidade Máxima” através de suas manifestações e instâncias menores, aludindo ao termo “Unidade em Multiplicidade” que é um conceito fundamental para a Geometria Sagrada, já que tudo se manifesta a partir do centro único do círculo e se multiplica harmonicamente em diversos padrões abstratos. Sendo assim, a Geometria se faz tremendamente presente e importante na arte Islâmica, ela alerta a qualidade abstrata de Deus e compreende que a Criação manifesta-se por meios geométricos.

Gostaria de trazer uma breve análise de um simples padrão geométrico chamado “O Fôlego do Compassivo”, trata-se da sobreposição de dois quadrados, formando uma estrela de oito pontas, um octagrama, que se repete para todas as direções. O espaço negativo entre um octagrama e outro forma uma espécie de cruz. Esta composição traz uma sensação rítmica de respiração, quando a forma se infla (o octagrama), tem-se a vida, ao desinflar (a cruz), simboliza o retorno, a morte. Os dois quadrados sobrepostos representam a união de dois planos, o espiritual e o terreno; assim como a alegoria da Kaaba que é cúbica e física, mas é sobreposta, imbuída por uma dimensão invisível, abstrata, espiritual. Para finalizar, gostaria de trazer a seguinte surah (trecho) do Texto Sagrado: “Para Alá pertence o leste e o oeste, para qualquer direção que se vire, estareis virado para Alá. Verdadeiramente Alá é o que tudo abrange, o Conhecedor de tudo”

(2:115 Corão – Tradução do autor).

 

O Fôlego do Compassivo

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 Gabriel Chaim, Pintor, Mestrado em Artes Visuais Islâmicas e Tradicionais na Prince’s School of Traditional Arts; [email protected]; instagram: @gabrielluizchaim

 

 

 

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