O lugar da esperança

Camilo Irineu Quartarollo

Dom Hélder já idoso passeava por Recife acompanhado por uma freira rígida e levava suas moedas para dar a algum necessitado entranhado nessa cena marcante da desigualdade. A freira ralhou quando um mendigo veio duas vezes, que o tal já tinha pegado a moeda antes. Dom Hélder intercedeu: oh, irmã, pobre não pode nem mentir?! Dá o dinheiro a ele!

Longe dali, num vilarejo da Índia, contava-se que o grande Buda passou por lá. Não obstante estar em oração sobre o tapete uma mulher se acercou dele com o filho no colo e, desesperada, disse-lhe: Oh, grande Buda, pode ressuscitar meu filho?

Calmamente, sem descruzar as pernas da posição de lótus, Buda respondeu: Posso…

Os olhos dela se encheram de esperança, euforia e, serenamente continuou Buda: posso, desde que me traga doze sementes de mostarda…

Ela ia saindo, ora, isso seria fácil naquela vizinhança, mas o Buda a deteve mais uma vez e acrescentou: e, que estas pessoas que lhe derem os grãos de mostarda, não tenham ninguém morto na família, nem antes nem depois delas.

Sem pensar, a mãe esperançosa correu com o filhinho morto no colo por toda a redondeza e as famílias, comovidas, logo lhe arranchavam não doze, mas punhados de mostarda. Depois de algumas horas ela já pôde voltar ao Buda que ainda estava em sua meditação. De mansinho e reverente, ela soltou os grãos de mostarda para o Buda fazer o milagre de ressuscitação.

Buda disse: muito bem, vejo que trouxe a mostarda, mas perguntou às pessoas que lhe deram se havia alguém falecido naquele lugar antes ou depois deles?

A mulher abaixou a cabeça e disse: oh, Buda, todas as famílias têm seus mortos. Então o Buda a fez sentar no seu tapete e lhe disse que, como ela, também ele tivera seus mortos e não podia, na verdade, ressuscitar nem mesmo seu filho. Completou o Iluminado dizendo que ele também não aceitara as perdas, mas foi obrigado a dobrar-se, resignar-se e compadecer.

Há perdas que provocam rupturas, a vida tem de seguir o caminho, além da verdade piedosa ou mentira ingênua.

A história chinesa termina sem falar do filho morto ou da mulher que se vai enlutada. Talvez não seja hora de pensar nisso, exceto para um escrevinhador enxerido. Nós temos o ritual das exéquias, homenagens ao morto, e muitos não admitem nem incinerar o corpo para não turbar a “presença” ou lembrança do falecido. Talvez o pouco tempo que estiveram juntos ela pôde dizer ao filho: tudo está bem. E estava. Todos podem se esquecer desta criança, mas a mãe… nem a mãe de um natimorto esquece. O profeta Isaías faz esperançar os esquecidos: “Porventura pode uma mulher esquecer-se do filho? Ainda que ela o abandone, contudo, eu não lhe abandonarei” – Isaías 19:15.

Confúcio contou uma vez que quando nascemos todos riem e nós choramos e que ao morrermos todos choram e “nós” rimos. O que havia ali nem o grande Buda podia perscrutar de todo, mas reverenciar e aprender.

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Camilo Irineu Quartarollo, escritor, escrevente judiciário, autor do livro A ressurreição de Abayomi, dentre outros

 

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