Invocar São Roch, por que não?

Cecílio Elias Netto

 

O Brasil – diante da bagunça total – é, em meu entender, uma questão de fé. Para alguns, pode-se, ainda, falar de esperança. Na minha circunstância, isso, porém já pouco me significa em relação ao país. Pois esperança envolve uma questão de tempo, de espera. E o Brasil – a partir de quando conseguir recomeçar – levará de 30 a 50 anos para retornar ao que era antes do caos. Para mim, acreditar nessa espera seria idiotice.

A fé, no entanto, é companheira do otimismo mesmo que seja, este, inconsequente. De uma certa maneira, a fé se deixa acompanhar de, pelo menos, um mínimo de esperança: “quem espera sempre alcança”. Não é assim? Ora, fé e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. E o Brasil – com superstições, crenças, crendices – é o país onde, formidavelmente, tudo se mistura. Trata-se do nosso espetacular sincretismo: católico com orixás, com vodu, igrejas com terreiro. Aliás, não me esqueço de uma missa baiana de que participei há alguns anos. O candomblé e a liturgia católica estavam de tal forma harmonizados que a sacralidade do culto foi enriquecida com alegria gerada pela alma do povo. Um bailado, uma festa. Comovente e inesquecível.

Nos primeiros meses da pandemia, lembro-me de ter ouvido, de uma doce senhorinha, que o vírus precisava ser entendido como ação do Espírito Santo: “Muita coisa tem que mudar!” Sei lá, eu, dessas coisas. O fato, porém, está em que mudanças acontecem e, da bagunça geral, alguma coisa positiva haverá de vir. Um impeachment, por exemplo. Por que não? Retorno, então, à questão da fé. Ter fé num impeachment fortalece a convicção, o desejo. Mas, nesse caso, não significa ter esperança. Deixemos, porém, a tristeza para lá, pois minha intenção é a de contribuir para a fé brasileira. E, em especial, tentando levar uma outra perspectiva de fé para o pessoal do Planalto. Trata-se de São Roch. Ora, para quem acredita a Terra ser plana, mais fácil seria, ainda, acreditar em São Roch?

São Roch – acho que desconhecido ainda no Brasil – é o santo das epidemias, o santo que ajudava a debelar as pestes negras desde lá pelo século XV. (Ele nada tem a ver com o nosso São Roque, nem parentes entre si eles são.) Ao final da Idade Média, foi São Roch – especialmente na crença dos franceses – quem resolveu a reincidência das pestes no universo europeu. Diante das tragédias, das doenças contagiosas, invocar São Roch era encontrar respostas. Pelo que sei, ele era um andarilho e curava os pestilentos ao longo das estradas. Peregrino, era visto com um chapeuzinho de palha e seu cachorrinho, inseparável companheiro de jornada. Eram tão unidos, o santo e o cãozinho, que os franceses, quando viam dois amigos que não se separavam, diziam: “Saint Roch e son chien”, comparando-os ao santo e seu cão.

Descobri, pesquisando na hagiografia católica, ser, a festa do santo, celebrada no dia 16 de agosto, pelo menos em alguns lugares da Europa. Tenho fé em que os homens do desgoverno venham a propagar e a divulgar a eficiência curadora de São Roch. Por que não, se já em tantas tolices acreditam: gripezinha, cloroquina, vacina não obrigatória, a pandemia está no finalzinho… Ora, se tanta fé se tem em Paulo Guedes, por que não num santo tão simpático?

Como corintiano – de fé inquebrantável – vejo com simpatia invocar São Roch. Fé não se explica. E, pela razão, não há como entendê-la. Nestas alturas, invocar São Roch faz muito menos mal do que acreditar na excelsa sabedoria de Brasília. “Caldo de galinha e São Roch não fazem mal a ninguém.“

_______

Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana ([email protected])

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima