Recordando uma grande dama luso-brasileira (2)

Armando Alexandre dos Santos

 

Continuo recordando a grande figura da Profa. Dra. Nelly Martins Ferreira Candeias, que nos deixou no último dia 27 de janeiro.

A primeira vez que me lembro de ter conversado com ela foi no ano 2000. Houve um almoço no Terraço Itália, promovido pela Academia Paulistana da História, para a entrega do Prêmio Clio de História aos autores de alguns livros sobre a História de São Paulo, publicados no ano anterior. Éramos vários os premiados, quase todos acompanhados por familiares e amigos convidados; no total, havia cerca de 100 pessoas no almoço. Para surpresa geral, compareceu o prefeito de São Paulo, Celso Pitta, que já estava então sendo acusado de irregularidades, já estava sendo acossado de todos os lados e deveria, pouco depois, concluir seu mandato, sem se recandidatar. Sua popularidade já estava muito em baixa. Nesse almoço, estava a Dra. Nelly, mas, no meio de tanta gente, não chegamos a conversar. Mas, saindo do almoço, recordo que fui para o IHGSP, onde novamente encontrei Dra. Nelly, e juntos comentamos, rapidamente, a coincidência do duplo encontro, no mesmo dia.  Que me lembre, foi a primeira vez que falamos.

Percebi, desde logo, tratar-se de uma mulher muito inteligente, determinada, com grande capacidade de realização e uma incrível força de vontade. Seu currículo, na USP, confirmou plenamente essa primeira impressão. Notava-se, por outro lado, ser pessoa educadíssima, refinada e de excelente trato social. Igualmente essa impressão foi confirmada em incontáveis ocasiões, nos anos posteriores. Mesmo nos momentos mais dramáticos, até mesmo em debates acalorados, a Dra. Nelly sempre se portou com absoluto autodomínio, sempre em grande estilo, com uma espécie de grandeza sem nada de afetado ou artificial, mas pelo contrário, muito natural em sua pessoa.

Depois do primeiro encontro, somente no final de 2001, quando ela se candidatou à presidência do Instituto, voltei a ter contato com ela.

Ela me telefonou, certa noite, para pedir meu voto. É provável que estivesse com uma lista de eleitores, ligando para todos. Possivelmente, nem se recordasse bem de mim, não ligasse meu nome ao de uma rápida conversa de mais de um ano antes.

Na véspera ou na antevéspera, havia me telefonado o antagonista de Dra. Nelly, o antigo presidente que procurava reeleger-se. Era um senhor com quem eu tinha excelentes relações, pois fora por indicação dele que eu, 7 anos antes, ingressara no IHGSP; poucos meses antes, eu até havia editado um livro desse senhor. Ele me convidou para fazer parte de sua chapa, dizendo que eu poderia escolher qualquer dos cargos, menos o de Presidente, naturalmente, que ele reservava para si. Declinei de modo amável, pois sabia que sua causa já estava de antemão derrotada. Seus três anos de mandato tinham sido decepcionantes. Ele nem sequer residira em S. Paulo, durante esse período, mas num município do interior, no qual havia nascido e do qual fora nomeado Secretário da Cultura. O Instituto estava em total decadência, com dívidas assustadoras, parecia próximo de chegar ao seu fim. Um dos membros da chapa desse senhor me disse que somente havia uma coisa a fazer, e essa era a missão inelutável da próxima diretoria: declarar o Instituto insolvente, encerrar as atividades sociais e doar à USP, se a USP quisesse receber, todo o acervo do Instituto, sua biblioteca, seu arquivo e seu museu. Tudo seria entregue, desde que a USP se comprometesse a colocar uma placa de bronze, no local que destinasse para conservar o acervo, declarando que se tratava de doação do extinto IHGSP…

Essa mesma pessoa me disse que somente aceitara fazer parte da chapa do então presidente do IHGSP por razões de amizade e gratidão, mas me confidenciou que talvez até votasse na chapa oposta, ou seja, na Dra. Nelly, por ser um mal menor para o Instituto. Ela, se eleita, rapidamente se convenceria de que o Instituto era inviável e, sendo professora titular da USP, poderia fazer a transferência do acervo em condições mais propícias do que com o presidente antigo.

Quando Dra. Nelly me telefonou, para pedir meu voto, eu disse a ela, com franqueza e lealdade, que não a conhecia ainda suficientemente, mas já tinha todas as razões para considerar sua chapa como preferível à alternativa, de modo que assegurei que votaria nela. Apenas ponderei à Dra. Nelly que, sendo amigo pessoal do seu oponente e sendo, ademais, grato a ele, preferia manter meu apoio discreto, sem partir para a oposição frontal em relação a seu antagonista. Ela, com muita elegância, respondeu que compreendia e aprovava minha postura.

De fato, a chapa de Dra. Nelly foi eleita com esmagadora maioria de votos e, desde o início, Dra. Nelly iniciou seu hercúleo trabalho de reerguimento do Instituto, trabalho esse que está descrito num relatório que redigi e foi publicado na revista do Instituto, referente ao período janeiro 2002/agosto 2004.

A chapa derrotada passou, imediatamente, a ser oposição. Passei a apoiar e colaborar, em toda a medida das minhas possibilidades, com a nova diretoria, mas, de comum acordo com Dra. Nelly – sempre elegante nas suas posturas – mantive bom relacionamento pessoal com seu opositor vencido. Esse bom relacionamento somente cessou quando, dois ou três anos depois, o antigo presidente moveu processo injusto contra a administração de Dra. Nelly, acusando-a de estar liquidando o patrimônio do Instituto. Desde então, nunca mais tive relações com o antigo presidente.

___

Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima