Apeoesp: especialista da USP diz não ao retorno das aulas presenciais

O professor Paulo Hilário Nascimento Saldiva, da Universidade de São Paulo, responsável pelo parecer à Apeoesp: não ao retorno – Crédito: Divulgação

Em consulta feita pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) sobre a segurança do retorno às aulas presenciais nas escolas paulistas sem que se garanta aos profissionais da Educação, previamente a esse retorno, acesso às vacinas imunizante à Covid-19, Paulo Hilário Nascimento Saldiva, professor doutor, titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), diz que “se o vocábulo “segurança” significar “presença de condições que assegurem a garantia ao direito à saúde e ao direito à vida”, a resposta é não. A informação é da presidenta da Apeoesp, deputada estadual Professora Bebel (PT), ressaltando que os argumentos do professor foram extraídos de trabalhos científicos, tendo sido publicados em revistas da mais elevada reputação acadêmica.
Em seu parecer, questionado se há segurança aos profissionais da educação que têm contato com estudantes em ambientes fechados (salas de aulas), sem cobertura vacinal? Segundo: o único foco de risco é a sala de aula?, o parecer dele é o seguinte: “A resposta à primeira pergunta é complexa, mas, novamente no sentido atribuído à ideia de “segurança”, conduz a uma conclusão negativa. Não há segurança aos profissionais da Educação que têm contato com estudantes em ambientes fechados, sem cobertura vacinal. Desde o início da pandemia, a comunidade da Saúde se surpreendeu com o baixo número de crianças que desenvolveram manifestações clínicas da COVID-19. No presente contexto, o SARS-CoV-2 apresentou predileção especial por pessoas idosas ou aquelas com comorbidades tais como diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica ou cardiopatias”, diz.
No entanto, ressalta que com o passar do tempo, o entendimento da relação entre o SARS-COV-2 e a população infantil foi sendo aprimorado, fazendo surgir a compreensão de que as crianças são, em geral, suscetíveis à infecção pelo vírus mas, felizmente, não desenvolvem a forma doença grave, podendo ser, todavia, portadoras assintomáticas do vírus (Kelvin e Halperin 2020). “É importante destacar que este cenário não implica em ausência de risco a esse público. Aprendemos também que as crianças, quando sintomáticas, apresentam formas clínicas distintas das classicamente apresentadas pelos adultos, pois a COVID-19 infantil é caracterizada por um forte processo inflamatório que afeta diferentes órgão e sistema, notadamente o trato digestório e o sistema cardiovascular (Dolhnikoff et al, 2020), que podem apresentar evolução clínica de significativa gravidade. Apesar desta condição peculiar das crianças e adolescentes, eles podem desempenhar papel importante no contágio pelo SARS-COV2. O fato de poder ter infecção ativa sem sintomas levanta a hipótese de que as crianças cumprem uma função de facilitação da transmissão viral a adultos. Há poucos estudos disponíveis sobre o tema, de modo que uma tomada de decisão sobre questão desta magnitude dependeria, smj, de uma observação mais rigorosa das evidências disponíveis no Brasil e no mundo e da ponderação de um critério de precaução/prevenção”.
O professor explica que até onde pôde pesquisar, inexistem estudos brasileiros focalizando o risco da transmissão da COVID-19 das crianças para os profissionais da Educação, mas sem dúvida há o risco potencial disso acontecer, como levantado pelos resultados do estudo de Larosa et al (2020) conduzidos no Norte da Itália, e também por Posfay-Barbe.et al (2020) na Suiça. Segundo ele, além dos artigos anteriormente mencionados, as autoridades de saúde britânicas apresentaram recentemente dados sugestivos de as escolas podem ter contribuído para a contagiosidade da COVID-19 (https://www.dailymail.co.uk/news/article-9111449/Schools-blame-three-times-Covid-outbreaks-hospitals-October.html)
Para o professor Paulo Hilário Nascimento Saldiva, tal cenário se torna ainda mais relevante na medida em que os profissionais da educação, num contexto de volta às atividades presenciais, não serão expostos somente em sala de aula, mas também nos deslocamentos feitos em transporte público, espaço que, notoriamente, proporciona grande concentração de pessoas. Ou seja, há o risco de exposição ao vírus tanto no percurso de casa até as unidades de ensino, pela interação com os estudantes, e também no transporte público, na interação forçada com outros adultos, por ambos serem pontos de aglomeração de seres humanos. Essa constatação, por si evidente, responde ao segundo ponto específico da questão que me foi submetida.
“Não identifiquei na literatura nacional, também, qualquer estudo que apresente um diagnóstico de quantos profissionais da educação estariam impedidos de retornar por sua peculiar condição de risco: idosos, pessoas com doenças que importam em situação de maior vulnerabilidade em relação ao contágio por COVID-19”, enfatiza.
O que se confirma, todavia, segundo o professor especialista, é que em ambientes fechados, como as salas de aula, a transmissão da COVID-19 é facilitada pela baixa dispersão do aerossol (Graudenz et al, 2020), circunstância que acrescenta complexidade à análise objeto da presente consulta, consistindo, indubitavelmente, num fator adicional de risco de contágio. É importante ressaltar que o papel da transmissão da COVID-19 em ambientes fechados foi objeto de uma publicação assinada por 239 pesquisadores de todo mundo (Morawska and Milton, 2020), que assim concluiu a análise.
“A pesquisa indicou também que especialistas recomendam precaução em todas as situações relacionadas ao ambiente interno. Ainda assim, medidas voltadas a favorecer a troca do ar – evitando a sua recirculação –e a diminuição do número de pessoas que compartilham o mesmo ambiente interno não são 100% eficazes. Observe-se que no âmbito dos equipamentos de saúde, tais como os hospitais, medidas mais severas para a prevenção da transmissão aérea são recomendadas, tais como a manutenção de um ambiente de pressão negativa e filtros especiais, com taxas de troca de ar (12 vezes por hora, no mínimo) – e que tampouco são 100% eficazes”, conta.
É importante frisar, segundo o professor da USP, que esta publicação, “da qual tive a honra de participar como signatário, fez com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) passasse a considerar a rota de transmissão pela moda fina do aerossol dentro do elenco de suas recomendações voltadas para a redução da pandemia. Neste caso, mesmo o distanciamento de cerca de 1,5 metro entre as carteiras dos estudantes, propagado pelas autoridades da educação, é irrelevante para mitigar os riscos de contágio, devendo-se, ainda, considerar a dificuldade prática de manutenção desta medida nas atividades pedagógicas corriqueiras envolvendo alunos que são crianças ou adolescentes”.
De acordo com Saldiva, é de se ponderar, ainda, os efeitos sistêmicos provocados pela escala de pessoas envolvidas na educação paulista. “Dados fornecidos pela APEOESP indicam que 8 milhões de pessoas são mobilizadas pelas redes estadual e municipais de ensino no Estado de São Paulo, o que equivale a cerca de 20% da população paulista, número que não inclui aqueles envolvidos nas escolas particulares. Se incluídas as pessoas que coabitam ou frequentam a residência de professores e profissionais da Educação, o número será sensivelmente maior: tais servidores, se residirem com seus pais ou avós idosos, ou se residirem com portadores de doenças que aumentam a vulnerabilidade à doença, poderão ser vetores de novos contágios com risco à saúde e à vida”.
Diante deste cenário, o professor ressalta que o retorno às aulas sem que os profissionais da educação estejam vacinados importa em ampliar a sua vulnerabilidade à Covid-19, desenhando um cenário em que não é possível lhes assegurar o direito à saúde e o direito à vida, mesmo, como dito, com a adoção de medidas assecuratórias tais como a oferta de EPIs e de insumos de higiene. “Em assim sendo, se me fosse dado a autoridade para tal, eu incluiria os professores e funcionários das escolas como prioritários para a imunização vacinal da Covid-19, proporcionando a esse grupo as condições de segurança necessários para o exercício do mais nobre dos ofícios, a Educação de nosso povo. Determinar o retorno às aulas sem que seja preenchida essa condição não permite a conclusão, à luz da ciência, de que o retorno será efetivamente seguro, nos termos da consulta que me foi apresentada”, conclui.

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