Os três grandes sábios gregos e a difusão da Paideia

ArmandoAlexandre dos Santos

 

Platão, Sócrates e Aristóteles, cada qual a seu modo, foram os três filósofos máximos da Grécia Antiga e, também, de toda a Humanidade, em todos os tempos. Eles se abeberaram dos elementos da paideia, desenvolveram-nos, sistematizaram-nos, teorizaram-nos, fixaram suas formas definitivas aplicáveis a todos os tempos. E ainda hoje, milênios decorridos, é sempre nos três grandes mestres gregos que vamos encontrar luzes para resolver a maior parte dos problemas profundos que afligem a Humanidade.

Sócrates, como é bem sabido, foi mestre de Platão, que o foi de Aristóteles. Sócrates nada deixou escrito, mas Platão, seu genial discípulo, divulgou suas ideias, seu modo de pensar, especialmente sua dialética, seu sistema de interrogar, sempre permeado de ironia, de ir fazendo com que o interlocutor descubra, por si mesmo, o que pensa, como pensa, em que medida pensa etc. Ou, pelo contrário, ir fazendo com que entre em contradição e acabe reconhecendo seus erros. É o famoso parto das ideias, a maiêutica, característica do pensamento socrático.

Lembro bem qual foi meu primeiro contato com o “pensamento socrático”. Tive, no velho Ginásio dos tempos antigos, um colega que era terrível na sua dialética. Ele era loirinho e miudinho, lembrava um pouco o Calvin das histórias em quadrinhos. Ele tinha o costume de “inocentemente” ir fazendo perguntas “ingênuas” aos professores, ia perguntando, perguntando, sempre com jeitinho de quem estava querendo aprender. E o professor ia respondendo, respondendo, habilmente conduzido por aquele maquiavelzinho quase de calças curtas… E quando o venerando e pomposo professor catedrático (naqueles tempos, em escolas públicas, os professores de ginásio defendiam tese e se tornavam catedráticos!) estava empolgado e bem entalado, o meu coleguinha “puxava o tapete” e, para grande alegria da classe inteira, o professor caía feio no chão. O menino o havia levado para uma contradição sem saída…

Os professores tinham pavor dele e comentavam sempre que possuía “um espírito socrático”. Nós todos éramos muito crianças e ainda não sabíamos bem quem era esse tal de Sócrates, mas ficávamos encantados com ele, filósofo que tinha a grande genialidade de ensinar os alunos a dar banhos em professores vazios e convencidos…Esse foi meu primeiro contato com o velho Sócrates.

Não se sabe até que ponto Platão foi estritamente fiel, ao divulgar o pensamento de Sócrates, até que ponto o reinterpretou e lhe incutiu sua marca pessoal.

Quanto a Platão – mais generalista, idealista, utópico – e seu discípulo Aristóteles – mais específico, sistemático, empírico e cientificista – ambos marcaram as duas vertentes do pensamento humano.

Um fato para mostrar bem as diferenças entre os dois: Platão escreveu a República, tratado teórico sobre como deveria ser uma sociedade ideal. É utópico, mas é utilíssimo e teve importância fundamental para o desenvolvimento da Ciência política.

O mesmo problema, colocado diante de Aristóteles, teve solução radicalmente diversa. Aristóteles era prático, era empírico e dispunha de verbas mais ou menos inesgotáveis do seu rico protetor Filipe da Macedônia.Enviou, então, emissários a todas as partes do mundo conhecido, com a missão de elaborarem relatórios exaustivos sobre como todos os povos se organizavam e governavam. Ao cabo de anos de pesquisas, reuniu mais de 200 relatórios. Estudou, então, todos eles e, a partir desses estudos de caso, elaborou sua Política, sobre as formas de governo.

Platão foi direto à teoria e sistematizou um regime ideal, embora sabendo-o irrealizável. Aristóteles partiu do real e chegou à teoria da melhor forma de governo em tese, e da melhor forma de governo possível. Esses dois caminhos seguidos indicam duas vertentes, duas variantes do espírito humano. Correspondem, também, aos dois métodos clássicos do raciocínio filosófico, o indutivo (do específico para o genérico, do prático para o teórico) e o dedutivo (do geral para o particular, do teórico para o concreto).

Não se pode dizer, no plano axiológico, que uma dessas variantes seja superior à outra. Ambas são complementares, ambas se alternam ao longo dos tempos, às vezes nas mesmas pessoas. E ambas se abeberam em Sócrates e, mais remotamente, na paideia homérica.

Sem Homero, não teria havido Sócrates. Sem Sócrates, não teria havido nem Platão nem Aristóteles. Mas sem Platão e Aristóteles, talvez Sócrates fosse lembrado apenas como mais um dos obscuros sofistas de seu tempo. A tríade é inseparável. São, sem a menor dúvida, os três maiores cérebros da Antiguidade. Sem essa tríade, talvez Homero fosse mais um dos incontáveis autores mitológicos esquecidos de todos. Foi a tríade que fez com que o gênio de Homero fosse reconhecido e admirado em todos os tempos.

Séculos depois dos três grandes gregos, já na Era Cristã, foi remotamente discípulo de Platão o neoplatônico Santo Agostinho, dando origem a uma ampla escola de pensamento católico que teve inúmeros seguidores. Talvez o mais célebre e importante deles tenha sido São Boaventura (século XIII).

Aristóteles teve suas ideias relançadas e aperfeiçoadas por São Tomás de Aquino, contemporâneo e amigo de São Boaventura. A filosofia aristotélico-tomista ainda hoje tem numerosos seguidores e marcou profundamente todo o pensamento humano.

Resumindo e condensando estas longas divagações, digo, pois, pontualmente: Homero in-formou a paideia grega, que produziu os três grandes filósofos, que, por sua vez sistematizaram e teorizaram a paideia na sua forma suprema e definitiva. E ela chegou até nós, permanecendo, queiramos ou não, bem viva e atuante.

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ArmandoAlexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

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