A Vacina e o Milagre do Natal

Adelino Francisco de Oliveira

 

O tema da vacinação contra a pandemia do novo coronavírus já se tornou mais um debate enviesado em nosso país. O governo federal, desde os primeiros sinais da pandemia, assumiu um discurso obscurantista e negacionista, posicionando-se contra todas as parcas medidas de proteção e prevenção que se conhecia. De repente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a ser considerada uma organização sob suspeita, com tendências esquerdistas. O impressionante é a capacidade desse governo de gerar dúvidas e espalhar incertezas, sobre pontos que já seriam consensos e pacificados entre especialistas. A negação do isolamento social e a recusa na utilização de máscaras, como estratégias de contação do ciclo de contágio do novo coronavírus, são apenas dois exemplos, que ilustram o trabalho irresponsável de um governante que se levanta contra o bom senso e o bem comum.

Em uma espécie de revolta da vacina às avessas, há uma movimentação em torno da ideia de que não se deve universalizar o processo de imunização, pois as pessoas devem ter a liberdade de tomar a vacina ou não. Defender liberdades é sempre algo muito importante. A liberdade é, inclusive, base para uma sociedade democrática. Mas liberdade, na tradição do pensamento ocidental, sempre pressupôs capacidade de análise crítica e ponderada. No final, a escolha livre é aquela que ampara sua fundamentação no senso crítico e na racionalidade. A liberdade aponta para uma decisão a partir do discernimento sobre o que é verdadeiro.

Além da dimensão racional, o debate sobre a vacina precisa estar pautado e dialogar com os princípios de empatia, solidariedade, generosidade e compaixão. Há uma verdade impactante que se impõe e não pode ser, de maneira alguma, desconsiderada: a realidade de mais de 187 mil pessoas mortas no Brasil em decorrência direta da Covid-19. Essa verdade implacável exige uma resposta. Negar o isolamento, às máscaras e agora a vacina já se revelou como um caminho inviável, que contempla um custo humano insuportável.

Em uma atividade de campanha eleitoral, percorrendo o corredor comercial da rua Governador Pedro de Toledo, na cidade de Piracicaba, um comerciante fez de pronto a seguinte indagação: você foi contra ou a favor do fechamento do comércio em decorrência da pandemia? Surpreso, não titubeei em responder: sempre fui a favor da vida, entendendo que a economia só tem sentido se estiver a serviço das pessoas. Esse me parece ser o ponto: a única decisão eticamente possível é aquela que coloca, seja qual for a circunstância, a vida das pessoas em primeiro plano.

É disso que se trata o debate sobre tomar ou não a vacina. Primeiro é preciso que se entenda que este debate contempla uma profunda dimensão ética. A questão não pode ser compreendida como uma mera decisão de foro íntimo. É uma escolha ética, com sérias implicações no plano político. O que se coloca em jogo é o bem estar individual, mas também de toda coletividade. A imunização apresenta-se como condição para que diversas pessoas possam continuar saudáveis e, no limite, vivas. A vacina é um direito que deve ser garantido a todos.

Mas apesar de tudo, de tantas pós-verdades, já chegou o tempo da generosidade, o tempo da empatia, o tempo dos afetos, o tempo forte da compaixão. É o novo ciclo do Natal cristão, oportunidade para se abrir à profunda experiência existencial do despertar. A ciência é um belo dom divino e a tão esperada cura pode se manifestar em forma de um milagre, que vem com a vacina. Ainda temos chance, pois podemos esperançar com o Natal.

______

Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; e-mail: [email protected]

 

 

 

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima