Por que os príncipes só se casam com princesas?

Armando Alexandre dos Santos

 

Não é por “orgulho de casta” que os “casamentos desiguais” se tornaram indesejáveis para as dinastias, mas por razões muito ponderadas.

Na Idade Média, quando o feudalismo estava em pleno vigor, era menos demarcada a diferença entre as Casas reais e as grandes Casas feudais. Reis e príncipes casavam então sem nenhuma dificuldade com filhas ou irmãs de grandes senhores feudais. Pouco a pouco, entretanto, foi-se generalizando, entre as Casas soberanas do Continente europeu, o costume de seus membros só se casarem com princesas.

Há, sem dúvida, algumas vantagens dignas de nota, nesse costume. A primeira delas, apontou-a João Camillo de Oliveira Tôrres quando salientou que, casando os membros da Família reinante só com membros de outras Casas estrangeiras de mesmo nível, os monarcas em via de regra não têm parentes próximos para favorecer nos respectivos países. E com isso se evita um mal endêmico das repúblicas, que é o nepotismo, a tendência para favorecer os próprios parentes (Cfr. “A Democracia Coroada”, José Olympio, Rio, 1957, p. 174).

Outra vantagem que se apontava para tais casamentos é que eles favoreciam notavelmente as relações diplomáticas entre os países. Os reis procuravam casar seguindo uma política de alianças que fosse conveniente ao seu país. De maneira que até num ato eminentemente da vida privada, como é o casamento, o que fazia um soberano era servir ao bem comum.

Nos últimos dois séculos, o costume de só casarem príncipes com princesas adquiriu particularmente força de lei consuetudinária em muitas dinastias. E é muito explicável que assim tenha ocorrido. É explicável como mecanismo de defesa das dinastias contra a perda da noção da própria missão histórica.

Em consequência da disseminação, por todo o Ocidente, da mentalidade e dos princípios da Revolução Francesa, produziram-se repúblicas em série, destronaram-se dezenas de Casas soberanas, e mesmo nas dinastias remanescentes dos sucessivos furacões que abalaram a ordem europeia, a influência igualitária e antimonárquica da Revolução deixou marcas profundas.

Ora, para as dinastias, ainda que destronadas e ainda que banidas de sua pátria, era fundamental dever de consciência se conservarem sempre preparadas para, a qualquer momento em que as chamassem de volta as respectivas nações, atender imediatamente a esse chamado. Para isso, precisavam absolutamente – era para elas questão de sobrevivência – não perder a noção da própria missão histórica.

Nessas circunstâncias, quando toda a tendência avassaladora impelia os príncipes e princesas a se diluírem na alta e na média burguesia, é compreensível que os chefes de Casa zelosos tenham fechado questão na observância estrita de um costume que já tendia a se tornar lei consuetudinária. A se abrirem exceções nesse ponto, os casamentos desiguais se transformariam em regra geral e, ao cabo de poucas gerações, a dinastia teria perdido inteiramente a noção de sua missão. Assim, insista-se, o que antes era um costume mais ou menos generalizado passou a ser requisito fundamental para a fidelidade à própria missão histórica.

Uma objeção que se faz, a esse costume, é que esses casamentos entre príncipes e princesas, que são mais ou menos parentes entre si, podem resultar em doenças hereditárias e, assim, conduzir à degenerescência das raças.

Muito se falou – e, sobretudo, muito se exagerou – no passado a respeito das supostas taras das dinastias reinantes. Na sua sabedoria bimilenar, a Igreja, já bem antes da generalização de tais temores, recomendava evitar casamentos entre parentes muito próximos. Mas nunca levou esses temores ao ponto verdadeiramente obsessivo a que parecem levá-los certos objetantes antimonárquicos, que só veem nas dinastias raças degeneradas, repletas de taras e heranças mórbidas. Não é o caso de me estender aqui sobre esse assunto, que para ser convenientemente explanado, exigiria um desenvolvimento que as dimensões deste artigo não comportam.

Limitemo-nos a uma constatação de fato.

Existe em teoria genealógica uma noção um tanto convencional, mas muito definida, de família. Entende-se por família o conjunto dos descendentes de um determinado homem, até que esses descendentes se reduzem a um único varão que morre sem deixar descendentes varões. Numa família, a tendência natural é ir-se abrindo um leque; ao cabo de quatro, cinco, seis gerações, há um número maior ou menor de varões; depois, pouco a pouco eles tendem a ir diminuindo, e acabam por se extinguir. Por linhas femininas, evidentemente, prossegue a sucessão do gênero humano, mas já em outras famílias que não aquela. Quanto maior a “eugenia” de uma família, mais duradoura ela é, evidentemente. Quanto menor, mais rapidamente ela tende a decair, vai-se fechando o leque, até que morre o último varão e se extingue a família.

A duração média de uma família, sabe-se também por estudos genealógicos, é de cerca de trezentos anos, mais ou menos dez a doze gerações. Ora, a grande maioria das dinastias europeias tem bem mais do que isso: os Capetíngios, por exemplo, são uma dinastia que tem mais de um milênio. Descendem de Hugo Capeto, que subiu ao trono da França em 987. Os Capetíngios varões, ainda hoje, são muitas dezenas, espalhados por várias Casas, a do Brasil, a de Portugal, a da França, a da Espanha, a das Duas-Sicílias, a de Parma, a de Luxemburgo. É uma família que está pujante, muito longe de se extinguir.

Os Wittelsbach, da Casa Real da Baviera, já eram Duques da Baviera em 907, ou seja, 80 anos antes da coroação de Hugo Capeto… É uma família que tem mais de 1.100 anos.

Serão essas famílias decadentes? Como pretendê-lo?

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

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