José Renato Nalini
Auspicioso conteúdo o dos editoriais da FSP de 4.06.2020, propondo a futura realização de votações remotas. Concordo com tudo, mas ousaria sugerir que ela já se realizasse em novembro próximo, para a escolha dos dirigentes municipais.
A alternativa deriva de minha experiência de quase cinco décadas no sistema Justiça, no Ministério Público e na Magistratura. Presidi eleições no interior e na capital. Vivenciei a dispendiosa e sacrificada logística de requisitar edifícios particulares, geralmente escolas, convocar voluntários que não se entusiasmam tanto pelo trabalho forçado. Assim que publicada a lista dos cidadãos obrigados a permanecer um dia todo nas seções eleitorais, começa a fila dos pedidos de dispensa.
É preciso pensar em alimentação para todos, segurança para os locais de votação, um fardo impactante na vida de milhões de pessoas. As escolas são constrangidas a se servir de seu quadro funcional para liberar espaços, removendo mobiliário e ocultando equipamentos valiosos. Os alunos ficam sem aulas nos dias seguintes. Uma burocracia imensa para fornecer atestados para os que trabalharam, sem pensar nas filas dos correios. A insensatez de não se poder votar fora do local em que seu título foi inscrito.
Não desconheço os argumentos contrários. O primeiro deles diz com a possibilidade de manipulação dos dados. Mas isso não existe na votação convencional?
O eixo da reflexão é o cotejo custo-benefício entre as eleições tradicionais e as eleições 4.0. Estas superam as desvantagens e estão a anos luz do arcaico sistema que remonta à antiguidade clássica.
O custo de eleições municipais é imenso e incompatível com a fase de depauperamento da economia, se até lá for debelada a peste do Covid19. Os recursos que seriam utilizados na programação do anacronismo podem servir para sustentar um esforço conjunto de todas as melhores inteligências da era eletrônica, presentes nas Universidades, nos Institutos e laboratórios públicos e privados. Recorrer à expertise das grandes empresas do setor. Estimular a juventude a contribuir para a redução de riscos e para a segura aferição da vontade cidadã.
O Brasil tem 265 milhões de mobiles para uma população inferior a 212 milhões de habitantes. Ou seja: a imensa maioria dos brasileiros está permanentemente ligada à internet e às redes sociais que ela propicia. Compras, pagamento de débitos, transferência de dinheiro, depósitos, operações as mais sofisticadas já se fazem pela via digital. Por que não se pode confiar no sistema para saber o que o eleitorado quer para seus municípios em 2020?
A pandemia obrigou inúmeros setores resistentes a recorrerem à internet, tábua de salvação para atividades que seriam paralisadas. O próprio Judiciário, que não foi homogêneo em relação ao implemento das modernas tecnologias disponíveis, adaptou-se e conseguiu a proeza de produzir mais do que antes.
Uma das deficiências brasileiras é justamente competir com as nações do Primeiro Mundo em termos de mergulho irreversível na profunda mutação da Quarta Revolução Industrial. Há uma juventude antenada, sequiosa por participar desse processo transformador. É a chance de envolve-la toda no grande projeto de concretização da primeira eleição remota no planeta.
Outros países ousaram ainda mais. Que o diga a Islândia, que redigiu nova Constituição mediante participação efetiva de seus cidadãos, um crowdsource idealizado pelo professor Bergmann, da Escola de Ciências Sociais da Bifröst University. Membro do Conselho Constitucional Islandês, sugeriu essa prática ali exitosa.
É a oportunidade de tentar superar o gap na informática, atender às localidades que ainda não têm acesso a uma internet eficiente, envolver os imersos na realidade digital num evento que não é o mais prestigiado na República. Basta verificar os índices de abstenção, o desinteresse dos jovens, o número dos votos nulos e dos que justificam ausência.
Já cheguei a formular o alvitre a vários Presidentes do Tribunal Superior Eleitoral. Agora que lá estão dois Ministros jovens, pioneiros em suas áreas, modernos e atentos ao que se passa no mundo civilizado, talvez a ideia frutifique. A mente privilegiada de Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes talvez se comova com a urgência de se injetar ânimo à combalida prática do sufrágio, sob a alça de mira dos que já não acreditam na Democracia Representativa e estão ávidos por uma experiência de Democracia Participativa.
Eleições 4.0 já, não no futuro! O futuro é agora.
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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo