Reflexões e conjecturas sobre o conflito árabe-israelense

A existência de conflitos é algo natural. Se já individualmente cada um de nós sente e tem, no nosso âmbito interno, conflitos entre tendências e influências diversas, quanto mais na vida social e política! Talvez nenhum conflito da História da Humanidade seja tão antigo e tão paradigmático como o árabe-israelense.

Do ponto de vista geopolítico, desde a mais remota Antiguidade a região é conflitiva e objeto de disputa. O atual Estado de Israel fica bem no centro da ampla região outrora denominada Crescente Fértil, constituída, de um lado, pelo ubérrimo vale do Rio Nilo e, na outra extremidade, pela Mesopotâmia, igualmente fértil, situada entre o Tigre e o Eufrates. Não apenas fica Israel no centro, mas fica num ponto de passagem obrigatória.

Do ponto de vista cultural é também um foco contínuo de conflitos, desde os tempos mais remotos. Etnicamente, o conflito entre árabes e israelenses perde-se na noite da História, podendo-se recuar até o conflito entre as duas mulheres do bíblico Abraão: a esposa Sara, mãe de Isaac e avó de Israel, e a escrava Agar, mãe de Ismael. Da descendência das duas saíram dois povos que, como uma sina inevitável, lutam em perpétua inimizade até o fim do mundo…

Do ponto de vista religioso, por ali se lutou muito e se continua lutando. Talvez em nenhuma região da terra tanto sangue tenha corrido por razões religiosas quanto na Palestina. Ali teve berço o Judaísmo, a primeira religião monoteísta formalmente estruturada, ali nasceu e dali partiu para conquistar o mundo o Cristianismo, ali também considera solo sagrado o Islamismo, que conquistou Jerusalém aos cristãos no século VII. As Cruzadas, convocadas séculos depois, foram uma reação retardada dos europeus, no desejo de reconquistarem uma cidade que, antes da agressão maometana, fora durante 300 anos pacificamente cristã(cfr. SANTOS. A.A. dos. Dialética pró e contra as Cruzadas em documentos do século XIII. Piracicaba: Editora Equilíbrio, 2ª. edição, 2012).

Para Israel, do ponto de vista econômico, é uma calamidade manter o Estado de Israel. Se as correntes judaicas antissionistas tivessem realizado o intento que tinham em princípios do século XX, teriam comprado a Ilha de Madagascar e lá teriam instalado um estado judeu, sem guerras nem conflitos. Era essa a solução mais razoável do ponto de vista econômico. Mas, por razões simbólicas e históricas, prevaleceu o anseio sionista deretornar à Terra Prometida, à Canaã dos antepassados, por maiores e mais custosos que fossem os problemas que isso levantasse. Mais uma confirmação de que não é somente em torno de questões econômicas que gira o eixo da História, como pretendeu Marx.

No final do século XIX e na primeira metade do século XX, uma nova riqueza passou a atrair as atenções e o interesse dos povos europeus sobre a região: o petróleo. Depois do término da Segunda Guerra Mundial, já no âmbito da Guerra Fria, os interesses políticos, girando já em torno do problema econômico das reservas petrolíferas, fizeram da região o ponto geopolítico mais explosivo do planeta. De um lado, judeus apoiados pelos Estados Unidos, de outro árabes apoiados, teoricamente, pelos russos. Mas tanto israelitas quanto árabes recusando-se a serem meros piões no tabuleiro dos dois grandes e procurando desenvolver jogos próprios. Os árabes, divididos entre nações, povos e tribos muito diversas, e também dando, internamente, sequência à divisão multissecular entre sunitas e xiitas, divisão essa já surgida entre os primeiros sucessores do fundador Maomé. Os israelenses, por sua vez, unidos quando agredidos externamente, mas internamente divididos em correntes e subcorrentes antagônicas e rivais – pombos e falcões, fundamentalistas e liberais, religiosos e laicos,askenazis e sefarditas etc. etc.

Mesmo os cristãos, que ali ainda residem muito numerosos, são também divididos entre católicos (por sua vez, seguidores de vários ritos diferentes, melkitas, maronitas, latinos etc.) e ortodoxos (também com várias divisões internas).  Há, ainda, drusos, grande número de ciganos etc.

Depois do fim da Guerra Fria, acendeu-se novo estopim, ameaçando a paz mundial: o terrorismo, fortemente embasado em correntes fundamentalistas islâmicas.

Tudo isso faz, da região, o lugar mais explosivo do planeta. Tudo isso explica que o Estado de Israel, em pouco mais de 70 anos de vida independente, já se tenha envolvido em 4 conflitos seríssimos em que correu grande risco de perecer.

Sinceramente, não vejo que exista solução para esse caos todo. Se no final da Segunda Guerra a região tivesse sido internacionalizada, com uma força internacional permanente garantindo ordem e assegurando uma convivência mais ou menos normal entre todos, talvez o caso tivesse podido encaminhar para uma solução mais estável. Mas, hoje em dia, não vejo saída.

Falar, no singular, de um único conflito árabe-israelense também não me parece muito correto. Na realidade, são inúmeros os conflitos envolvidos no entorno da questão árabe-israelense, porque às múltiplas causas de fricção – históricas, culturais, religiosas, políticas, geopolíticas, econômicas, étnicas – correspondem múltiplos conflitos paralelos.

As manifestações conflituosas são igualmente múltiplas. Dependem das várias forças em equilíbrio, mutáveis por definição. Talvez se possa dizer que a característica maior daquela região conflagrada é a mutabilidade e a variabilidade das situações. Assim como o rio é sempre o mesmo, mas a água nunca é a mesma, assim também o conflito é permanente e uno, mas assume formas e aspectos a cada momento diferentes.

Os atores principais e os coadjuvantes, já os nomeei. Imediatamente, árabes e israelenses. Por trás, forças internacionais e políticas, o capitalismo norte-americano, o capitalismo de outras potências, as forças da esquerda internacional, o que sobrou do chamado Terceiro-mundismo, os Palestinos, a El-Fatah, a organização conhecida como Autoridade Palestina, os potentados árabes, as forças do terrorismo internacional etc.

As consequências e repercussões também são notórias… e igualmente imprevisíveis. Ninguém, absolutamente, pode ter certeza de que chegaremos ao fim de 2020 sem uma nova guerra…

Muito próximo do local, temos o Golfo Pérsico, onde nos últimos 30 anos já tivemos duas guerras armadas violentíssimas que poderiam ter sido estopim de uma conflagração mundial.

Tudo isso posto, como prever o futuro? Ele é, literalmente, imprevisível.

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ArmandoAlexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

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