Ainda sobre o México e seu processo de independência

Armando Alexandre dos Santos

 

O cerco da fortaleza de El Álamo, de que falamos no artigo anterior, se deu na última semana de fevereiro de 1836. As tropas mexicanas, comandadas por Santa Anna, enfrentaram grande resistência por parte dos texanos, que afinal tombaram a 6 de março. Ocorreram vários outros enfrentamentos nas semanas seguintes, até que Santa Anna, derrotado a 21 de abril na batalha de San Jacinto, caiu prisioneiro e teve que assinar documento reconhecendo a independência do Texas em relação ao México. Só mais tarde, entretanto, depois da guerra entre o México e os Estados Unidos (1846-1848) se daria a efetiva integração do Texas aos Estados Unidos da América. Na mesma ocasião foram também anexados aos EUA os estados mexicanos de Arizona e Novo México. No total, nada menos que 40% do território mexicano passaram, assim, para o domínio norte-americano.

OTexas da década de 1830 (com limites bem mais extensos do que o atual estado norte-americano de mesmo nome) constituía um território sui generis. Teoricamente sujeito à soberania espanhola, foi sendo gradualmente povoado por norte-americanos (numa situação que não deixa de ter certa analogia com o caso do nosso Acre, que pertencia à Bolívia, mas foi povoado por brasileiros).  Isso conferia ao Texas uma situação híbrida, sentindo-se os texanos de um lado atraídos pelo México de língua e cultura hispânica, de outro atraídos pelos Estados Unidos que, em princípios do século XIX ainda estavam em processo de corrida e expansão para o Oeste, rumo ao Pacífico. Acresce que os colonos norte-americanos que povoaram o Texas possuíam forte sentimento de autonomia, sentimento esse que por muito pouco não chegou a formar uma nação soberana e livre de laços, tanto com o México quanto com os Estados Unidos. Até hojeexiste forte o sentimento autonomista no Texas.

Um fator que complicou o processo de independência era a grande diferença de culturas entre os mexicanos (quaisquer que fossem suas tendências) e os povoadores provenientes dos Estados Unidos. Teoricamente, os colonos de procedência norte-americana que eram admitidos no Texas e ali recebiam grandes lotes de terra se comprometiam a se “mexicanizar” culturalmente, adotando a religião católica, aprendendo o castelhano e, em certos períodos, até sendo obrigados a espanholizar seus nomes de família – tudo de modo a assegurar uma inculturação perfeita, nos padrões mexicanos. Mas, de fato, essa incorporação cultural era mais teórica do que prática, inclusive porque a maior parte dos povoadores do Texas não eram regulares, mas eram clandestinos, muitas vezes até fugitivos da justiça norte-americana.

Ainda no tocante à diferenciação cultural, deve-se mencionar a escravidão, que era proibida pela constituição mexicana, mas era aceita e praticada pelos colonos norte-americanos. Autores há que apontem esse elemento como o decisivo na acentuação das rivalidades e no acirramento dos ânimos, que conduziram à guerra.

Outro elemento, ainda, a considerar, era o expansionismo territorial norte-americano, ao qual já aludi acima. As primitivas colônias inglesas, que se tornaram independentes em 1776, foram gradativamente se estendendo para o sul e para o oeste, incorporando novos territórios, por vezes conquistados aos indígenas, por vezes comprados à Espanha, à França ou até ao Império russo (no caso do Alasca). O Texas era cobiçado pelos norte-americanos, que fizeram várias propostas de compra, ao governo mexicano, iniciando as ofertas por um milhão de dólares, depois propondo pagar 5 milhões e, numa última oferta, oferecendo 15 milhões. Foram todas rejeitadas pelos mexicanos, o que determinou afinal a guerra entre Estados Unidos e México, em consequência da qual o Texas se tornou um Estado norte-americano, apesar da forte oposição dos autonomistas texanos, que se sentiram logrados pela vitória de Washington.

Aos leitores desejosos de aprofundar a história e o conhecimento da cultura mexicana, recomendo dois livros muito interessantes. O primeiro é “Vecinos distantes: unretrato de los mexicanos”, de Alan Riding (Ciudad de Mexico: JoaquínMortiz, 1989).O autor, jornalista britânico nascido, por mero acaso, no Brasil, foi durante muito tempo correspondente da agência Reuters e colaborou no The New York Times e no Financial Times. Fez um estudo sociológico e psicológico dos mexicanos – próximos geograficamente, mas muito distanciados cultural e psicologicamente dos norte-americanos – que se tornou clássico, sendo reeditado muitas vezes tanto nos Estados Unidos quanto no México.

O segundo, com o singelo título de “México” (Rio de Janeiro: Globo, 1957), é um primoroso livro de viagem escrito pelo gaúcho Érico Veríssimo, com muitas informações sobre o México e sua história. Vale a pena ler.

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

 

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