“Santa Maria de Agosto”: festa da Assunção da Virgem

Armando Alexandre dos Santos

 

No último domingo, 16 de agosto, comemorou-se a festa da Assunção de Nossa Senhora. Normalmente essa festa é realizada no dia 15 do mês, mas sua celebração litúrgica foi deslocada neste ano para o domingo mais próximo. Antigamente, no velho Portugal avoengo, essa festa era denominada “Santa Maria de Agosto” e atraía as atenções de toda a população. A famosa batalha de Aljubarrota, travada em 1385 contra os invasores castelhanos aliados aos franceses, realizou-se na “vespora de Sancta Maria de Agosto”, ou seja, no dia 14 de agosto de 1385.

Foi durante o reinado dos monarcas da Dinastia de Aviz que se estabeleceu o costume de quase todas as catedrais de Portugal e seus domínios terem como Orago Nossa Senhora da Assunção.Segundo Frei Agostinho de Santa Maria, na sua célebre obra “Santuario Mariano, e Historia das Imagens milagrosas de Nossa Senhora e das milagrosamente apparecidas, que se veneram em todo o Bispado do Rio de Janeyro, & Minas, & em todas as Ilhas do Oceano” (Lisboa, 1723),as antigas catedrais portuguesas foram dedicadas ao mistério da Assunção em 1394, por concessão do Papa Bonifácio IX e em memória da Batalha de Aljubarrota.Mas o erudito Pe. Francisco Rafael da Silveira Malhão (1794-1860) informa que foi D. João II que assim ordenou, um século depois. Não se conhece existe documentação primária de época que confirme nem uma nem de outra coisa, mas é fato que, desde os tempos da segunda Dinastia (que reinou de 1383 até 1580), as Sés portuguesas foram geralmente dedicadas a Nossa Senhora.

Em 1950, chancelando antiquíssima crença disseminada por toda a Igreja, o Papa Pio XII proclamou como dogma de Fé que Maria Santíssima, no fim do decurso de sua vida terrena (intencionalmente o Pontífice não falou em morte), subiu ao céu em corpo e alma, ascendendo à Glória (por esse motivo, Nossa Senhora da Assunção é também invocada como Nossa Senhora da Glória).

Se Maria morreu ou não, se sua alma santíssima chegou ou não a se separar de seu corpo virginal, é matéria que o Papa não quis definir, deixando portanto direito de cidadania a teólogos de prestígio (como os mariólogosPes. Gabriel Roschini e René Laurentin) que, embora minoritários, apresentam argumentos de peso em favor da tese segundo a qual a Santíssima Virgem não teria morrido.

O que é certo e deve ser crido por todos os fiéis é que Maria (quer tenha morrido e ressuscitado como seu Filho, quer tenha sido preservada da morte por privilégio especialíssimo) subiu ao céu em corpo e alma, sem que seu corpo virginal experimentasse a menor corrupção.

Também a proclamação desse dogma representou uma salutar lição da Igreja aos homens de nosso século. Com efeito, o século XX pode ser considerado como o mais violento de toda a história da Humanidade. Lembrem–se as duas Guerras Mundiais, os genocídios e morticínios que elas causaram, outros genocídios menos lembrados (como por exemplo, o dos Armênios, no princípio do século), o nazismo e , acima de tudo, o comunismo – sem falar em formas de genocídio mais requintadas na maldade e que se acentuaram nas últimas décadas, como a matança dos nascituros e a cada vez mais generalizada eutanásia.

Esse século que se esqueceu de Jesus Cristo e de seu ensinamento, tinha que forçosamente dar no que deu. Recordo ter lido certa vez a frase de um escritor católico francês do século XIX que dizia mais ou menos o seguinte: ou Jesus Cristo reina por meio dos benefícios incomparáveis que decorrem de sua presença, ou Ele afirma sua realeza por meio das catástrofes que decorrem inevitavelmente de sua ausência.

Nesse contexto, a glorificação do Corpo virginal da Maria, que subiu ao Céu no mistério da Assunção, é uma afirmação peremptória do valor do corpo humano, mais do que nunca negado e desprezado em nossa época. E é uma recordação do destino glorioso que terão, após a Ressurreição, todos os corpos dos homens que, por sua livre correspondência à graça, tiverem sabido se beneficiar da Redenção.

Pio XII tinha esse ensinamento claramente em vista quando, por ocasião da proclamação dogmática, manifestou esperança “de que todos aqueles que meditarão sobre os gloriosos exemplos de Maria sejam persuadidos sempre mais do valor da vida humana, se é inteiramente consagrada ao cumprimento da vontade do Pai celeste e ao bem dos outros. Enquanto o materialismo e a corrupção dos costumes, dele derivada, ameaçam sufocar todas as virtudes e destroçar a vida humana, suscitando guerras, seja colocado ante os olhos de todos, de modo muito claro, o excelso termo ao qual os corpos e as almas são destinados. Em suma, possa a fé na Assunção Corporal de Maria aos céus tornar mais firme e atuante a fé em nossa ressurreição”.

O pontificado de Pio XII foi um pontificado marcadamente mariano. Além da proclamação do dogma da Assunção, cabe lembrar que o mesmo Papa consagrou o mundo inteiro ao Imaculado Coração de Maria, em 1942, consagrou especificamente a Rússia em 1942, instituiu a festa da Realeza universal de Maria, publicou a encíclica Ad CaeliReginam, sobre os fundamentos escriturísticos e teológicos da Realeza de Maria, comemorou condignamente os 100 anos das aparições de Lourdes e coroou, por meio de um legado, a Imagem de Nossa Senhora de Fátima.

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

 

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