Adolescência, credulidade e espírito crítico

Armando Alexandre dos Santos

 

No Ensino Médio, o docente deve tomar em consideração a realidade atual em que vivem os estudantes, suas peculiaridades existenciais, sua situação socioeconômica, os imensos apelos que lhes são feitos, a todo momento, por meio da propaganda e dos meios de comunicação social, especialmente por meio da internet e das chamadas redes sociais. Esse acesso à rede de um lado abre imensas possibilidades de pesquisa e acesso à informação, e isso deve ser valorizado e aproveitado no labor educativo; mas, de outro lado, traz riscos e pode ser prejudicial para a formação dos discentes. A missão do professor é, nesse dilema, orientar os discentes para que usem amplamente os mecanismos disponíveis de informação e pesquisa, mas sempre com espírito crítico e analítico, de modo a não deixarem suas cabeças “serem feitas” por interesses econômicos ou ideológicos involucrados nas fontes de pesquisa.

A esse respeito, convém salientar que os alunos do Ensino Médio são, quase todos, adolescentes. A adolescência é uma fase de transição entre a infância e o estado adulto. Como toda fase de transição, ainda conserva elementos da fase anterior, a par de já possuir elementos da fase que virá depois. É como o cinza, que contém elementos de branco e de preto; se visto do lado branco, parece preto, e se visto do lado preto, parece branco. Essa ambiguidade, própria dos estados de transição, caracteriza bem a adolescência; o adolescente conserva ainda traços infantis, mas já possui traços bem caracterizados de adulto. O adolescente é visto, pela criança, como se fosse um adulto, e é geralmente considerado, pelo adulto, como se fosse uma criança. Ambas as perspectivas estão erradas. O adolescente, na verdade, nem é criança nem é adulto, mas é, ao mesmo tempo, ambas as coisas. Por força dessa bivalência, procede, às vezes, de modo infantil e imaturo, e às vezes dá mostras de uma maturidade e de uma experiência de vida impressionantes; deve o docente compreender essa bivalência e, sem lhe fazer violência, respeitá-la.

Vale ressaltar que o fenômeno da adolescência é algo relativamente novo na história da Humanidade. Antigamente, no modelo de famílias patriarcais, as proles eram numerosas e cada criança se inseria num conjunto muito grande de pessoas, convivendo com muitos irmãos e primos mais ou menos da mesma idade. Isso fazia com que a transição da infância para a maturidade se desse gradualmente e quase insensivelmente. Não havia o choque da passagem que hoje, com o modelo nuclear de famílias, se verifica sempre.

Ora, é precisamente para adolescentes que se destina o Ensino Médio. Do ponto de vista pedagógico, o Ensino Médio marca uma fase de aprofundamento, maturação e despertar do senso crítico.

Aprofundamento: muitas noções aprendidas e assimiladas no Ensino Fundamental II (que no meu tempo se chamava Curso Ginasial) são, no Ensino Médio, repassadas de modo mais completo, de modo que o discente não apenas aprenda como as coisas são, mas também compreenda porque elas são de um modo e não são de outro.

Maturação: os três anos do Ensino Médio assinalam uma transformação profundíssima na psicologia dos adolescentes, e não apenas no corpo deles. Somente quem lecionou muito para essa faixa de idade pode se dar conta dessa imensa transformação.

Senso crítico: o adolescente é, por natureza, questionador e até contestatário, mas ao mesmo tempo ainda conserva muito da credulidade e desprevenção da infância; é por isso que tão facilmente pode ser manipulável. Compete ao docente orientar o adolescente para que julgue e critique as informações que lhe chegam, não as rejeitando por sistema, nem as aceitando sem crítica. Trata-se, sem dúvida, de algo difícil de atingir, mas para o docente é sumamente gratificante observar o despertar do senso crítico de um aluno ou de uma aluna.

Tudo isso encaminha, obviamente, para um elemento de extrema importância que está inscrito na Constituição Federal e deve ser a base de todo o procedimento educacional: a formação para o pleno exercício da cidadania. Sem espírito crítico não há nem pode haver cidadania; e tampouco pode haver autêntica democracia.

Um regime democrático, entende-se que deve realizar eleições periódicas e regulares, as quais determinem, de acordo com as preferências do eleitorado, a continuidade ou a renovação dos quadros dirigentes. Entende-se também que essas eleições devem ser livres e realizadas por meio de voto secreto, para que não haja coação sobre o eleitor. Mas não basta isso para o regime ser autenticamente democrático. Se o eleitorado for constituído de votantes sem espírito crítico, manipuláveis e acarneirados, esse regime será um simulacro de democracia. Não, porém, uma democracia autêntica.

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

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