Atravessando a pandemia, flertando com a saudade

Rubens Santana de Arruda Leme

 

Domingo de manhã, céu de brigadeiro, temperatura agradabilíssima – como  diria o querido amigo e já  saudoso Rocão do Correio – relembro minha infância quando brincava de Zorro, coloco minha máscara e saio desafiar esse temível bandido covid19.

Subo a Rua da Tristeza, de tantos funerais que transformamos em Avenida da Alegria com a lendária Banda da Sapucaia, sepultada no seu formato original pela insensatez humana, vítima de uma grilagem cultural, que o tempo vai cobrar. Passo pela Esquina do Pecado, quando pecado era apenas uma briga de tapas que terminava num fogo de cachaça. Em frente está a Praça Onde Mora a Saudade, ali estão enterrados o meu umbigo, o samba ,o futebol varzeano e parte importante da história bairro altense. É um pedacinho do lindo Bosque que foi transformado num estádio de futebol. Ali também este o Bar Tradição, depositário de tantas lembranças, onde afoguei minhas mágoas, curti muitas alegrias e cultivei minhas melhores amizades.

Continuo a caminhar, já um pouco cansado (sete décadas não são pouca coisa…), chego no Cruzamento das Recordações, sento num banco da Praça dos Lindos Murais prá tomar um fôlego, sob a sombra da imponente Árvore da Minha Vida, de onde tenho tirado a seiva para a minha inspiração, verdadeira senhora da minha poesia.

Continuo a minha caminhada pela antiga Estrada Onde Passa o Gado, paralela ao Recanto da Última Morada, entro à esquerda (calma, não vou falar das minhas preferências políticas…) em frente ao Ginásio das Estrelas, escola de esportes da minha infância. Ali um linda morena, de pernas longas chamada Delci, companheira das inesquecíveis Heleninha, Maria Helena, Zilá, Maria de Lourdes, Élide… ensinou-me a jogar basquete, só não fui prá frente porque era muito alto, nunca passei de um metro e sessenta e nove (risos).

Desço uns duzentos metros pela Rua da Abolição, contornando novamente à esquerda, na esquina onde eventualmente se instalava o modesto Parquinho dos Primeiros Amores (onde andará Cida, aquela faceira menina de cabelos longos?). Naquela esquina ficava o Campinho das Minhas Primeiras Peladas, berço do nosso imbatível infantil Paulistano de fantásticos jogadores amadores como Gabi, Pepino, Sorocaba e profissionais como Ditinho Chumbão e Osvaldinho.  Termino o meu circuito pelo quadrilátero que abrigou o saudoso Bosque Barão de Serra Negra, com a cabeça cheia de reminiscências.

Sigo em frente até a Rua do Palmeiiirass (como fala meu camarada Paulinho Gavião), clube de inolvidáveis lembranças e caminho rumo ao meu isolamento compulsório provocado pelo carrasco covid-19, não sem antes dirigir um olhar nostálgico para as portas fechadas do Bar Cor de Rosa, que agora virou Vermelho e Preto, como dentro é Branco, deu na mesma, eu perco o amigo, mas não perco a piada (Quem frequenta o pedaço entendeu a gozação). Nesse aconchegante reduto da cultura boêmia da Cidade Alta, no passado recente, antes da pandemia, saboreávamos deliciosas canções, regadas a muitas geladas e aperitivos nas inebriantes Segundas do Vinil, sob a batuta do maestro Laerte.

Como não tenho a menor pretensão de ser um erudito, encerro com o lugar comum da moda: vai passar!

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Rubens Santana de Arruda Leme, morador do Bairro Alto; e-mail: [email protected]

 

 

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