Entrevista: “A escola é um mediador das mudanças”

Professor Daniel Travaina, de Águas de São Pedro, fala sobre as mudanças na Educação – Crédito: Divulgação

JOÃO UMBERTO NASSIF

Nas últimas décadas a medicina evoluiu muito, a informática proporcionou novos medicamentos, equipamentos, um intercâmbio de conhecimentos de forma visual e imediata, e até mesmo, o tratamento à distância. Recentemente um médico especialista em determinada área, um cirurgião de São Paulo, orientou um colega em uma cirurgia de emergência, fora de sua especialidade, de forma virtual. Ele orientou o outro médico que atendia a 3.000 quilômetros, isso no Brasil! Cada dia surgem novas descobertas, novas drogas, isso trouxe maiores especializações. O grande público sabe o que significa uma UTI- Unidade de Terapia Intensiva, a Medicina Intensivista é a especialidade médica que presta suporte avançado de vida a pacientes com desarranjo agudo de alguma função vital. Procuram driblar o falecimento do paciente com todos os instrumentos que possuem. Muitas enquetes, conversas informais, quando se sentem a vontade, muitos médicos expressam de alguma forma a crença em alguma fé. Muitos pacientes praticamente a beira da morte recuperam-se, inexplicavelmente. Os médicos não têm uma explicação lógica. É o que costumamos chamar de fé. Uma fé coletiva, médicos, pacientes, familiares do paciente, equipe de enfermagem. Daniel Travaina, um jovem professor é um exemplo de superação do ser humano. Daniel Travaina tem descendência italiana da região do Veneto, seu bisavô paterno veio de lá para o Brasil. É filho de Edson Travaina e Maria de Fátima Belmiro Travaina, que tiveram os filhos Daniel André e Edson. Daniel nasceu no dia 19 de fevereiro de 1980. Hoje seu pai é aposentado, mas por muito tempo ele trabalho como Fiscal da Vigilância Sanitária em Piracicaba.

Daniel, você é casado?
Sou casado com Renata Whitaker Penteado, temos uma filha, a Ana Luiza.

Daniel, em que cidade você nasceu?
Embora meus pais sempre moraram em Águas de São Pedro, meu nascimento ocorreu na cidade vizinha de São Pedro.

Você iniciou seus estudos em qual escola?
O estudo fundamental realizei na Escola Estadual Ângelo Franzin. O ensino médio fiz na Escola Industrial Fernando Febeliano da Costa em Piracicaba, fiz o curso técnico de Eletrotécnica, viajava todos os dias. Fiz estágio no SEMAE Serviço Municipal de Água e Esgoto, em Piracicaba. No último ano do Curso de Eletrotécnica eu já tinha mudado a minha opção de carreira. Já me identificava mais com Ciências Humanas, já sabia que não iria atuar na área técnica. Comecei a me preparar para a Faculdade de Ciências Humanas. Conclui o curso de Eletrotécnica.

Chegou a fazer o cursinho?
Fiz um ano de cursinho no CLQ- Curso Luiz de Queiroz. Prestei o vestibular na UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba, fiz a licenciatura lá. Entrei em 2002 e me formei em 2005.

A licenciatura envolve atividades extras?
Tem os estágios, toda a parte da pedagogia que envolve “o ensinar”, a licenciatura é basicamente o conteúdo do bacharelado, a parte do historiador em si e envolve todas as matérias e atividades pedagógicas.

Você formou-se e começou a lecionar?
Na verdade, eu comecei a lecionar antes de me formar. Naquela época havia uma diferença na lei, era possível trabalhar como professor substituto no Estado apenas estando matriculado na faculdade. Eu estava no segundo semestre da faculdade quando comecei a dar aulas no Estado como professor substituto. Em 2004 eu já estava indo para o quarto semestre ingressei na rede particular de ensino. Como professor no Estado continuei até 2005. Eu não cheguei a prestar concurso para lecionar no Estado, geralmente eu cobria a licença de algum professor. Como eu estava estudando ainda e tinha umas aulas na rede particular, no Estado fui pegando pequenas coisas: substituindo professores, substituindo alguma licença que os professores tiravam. Depois disso, em 2005 ingressei na rede particular.

Você chegou a fazer pós-graduação?
Comecei a fazer, comecei a fazer pós-graduação na UNICAMP, mestrado, mas não conclui por causa do meu acidente.

Qual foi a sua sensação como professor em seu primeiro dia de aula?
(Risos) Sempre dá um frio na barriga! Sempre fui muito bem acolhido. Quando comecei a dar aulas foi na Escola Estadual Ângelo Franzin, em Águas de São Pedro. Onde eu tinha estudado o ensino fundamental. Por coincidência, a diretora da escola na época, tinha sido minha professora. Ele me fez sentir seguro. Com isso acabou sendo fácil ministrar as aulas.

O seu ingresso no ensino em escola particular deu-se aonde?
Foi no SENAC em Águas de São Pedro. Em 2004 o SENAC tinha ensino médio em Águas de São Pedro. Participei de um processo seletivo e fui contratado na época, isso foi em 2004. Dava aula no período da manhã.

Há alguma diferença de comportamento dos alunos de escola do Estado e alunos de escola particular?
Na verdade, é uma questão de geração mesmo! Naquela época em que iniciei, os alunos pareciam mais independentes, possivelmente porque não tinham tantos recursos como hoje. Não são melhores ou piores, é diferente. Alguns alunos chegam um pouco mais imaturos hoje, precisando de um cuidado mais especial. É uma questão de geração também! Não tem melhor ou pior, os recursos daquela época eram diferentes dos recursos de hoje. O cotidiano do aluno daquela época era diferente do cotidiano do aluno de hoje.

A seu ver, o aluno hoje é mais conduzido pelas novidades, sofre um processo de massificação?
Acho que tem alguma coisa nesse sentido, mas especialmente por conta do acesso à informação. Antigamente não tínhamos acesso às informações tão rápidas e em tanta quantidade como hoje. Hoje ele é bombardeado com múltiplas informações, o tempo inteiro, isso acaba fazendo com que o aluno consiga as respostas mais facilmente, porém muitas vezes ele consegue respostas mais superficiais. Muitas vezes não existe aquele exercício de parar para pensar, de reflexão. Entender melhor a coisa. A informação chega muito rapidamente, porém fica na superficialidade.

Ele tem a resposta, mas não tem a amplitude do conhecimento?
Ele até sabe o quer dizer, mas como ele conseguiu aquilo tão facilmente, ele acaba não valorizando o processo pelo qual obteve aquilo. Isso dificulta quando você tem que aplicar esse conhecimento a outras coisas.

Isso pode gerar consequências desagradáveis no futuro?
Pode! Mas temos que pensar que assim como a sociedade está se transformando, a educação também está. Estamos vivendo um período de transição. Eu não tenho dúvidas que o sistema educacional vai se adequar a esse modelo. Vai se adequar a essa nova realidade da sociedade. Costumo dizer que temos dois erros quando se fala da realidade da educação na sociedade de informação de hoje. Tem gente que diz que o papel da escola é se adequar as mudanças e se transformar junto com a sociedade. Adotar novas tecnologias, usar a internet, e todas as ferramentas que surgem. Tem aqueles que dizem ao contrário: “A escola tem que se manter tradicional, porque essa mudança na sociedade toda atrapalha tudo, vai acabar em uma geração que não aprendeu nada, a escola deve resistir a essas mudanças, ser tradicional”. Eu acredito que o papel da escola se encontra no meio do caminho. A escola é um mediador das mudanças. É a escola que prepara as pessoas para conduzir essa mudança e se adequar nesse processo. A escola deve manter um pé na tradição e manter outro pé nessas transformações, nesses avanços. A instituição de educação tem como missão isso, preparar os jovens, as próximas gerações para o mundo. Precisa ditar o ritmo dessas transformações. Não é para se abandonar totalmente os métodos antigos, os métodos tradicionais, esse jogar de cabeça na modernidade e nem ao contrário, a escola tem o papel de mediadora nessas transformações.

Alunos de épocas em que as informações eram obtidas através de muita pesquisa hoje obtém as informações disponíveis de forma abundante e rápida, porém não pode se afirmar que todas são verdadeiras.
Principalmente quando você pega a era pré-internet, quando eu estudava no fundamental, por exemplo, não existia internet. No meu tempo de ensino médio também não existia internet. Então muitas vezes a aula tinha o papel em que o professor transmitia as informações para os alunos. A ideia do aluno que recebe conhecimento do professor. Hoje no mundo o aluno tem acesso à informação. Não é a mesma coisa. O papel da escola hoje não é simplesmente transferir informação e sim ensinar as pessoas a utilizarem essa informação. A informação está aí. O que eu faço com ela? Como posso trabalhar? Como isso funciona? É por isso, por exemplo, não faz muito sentido nas escolas, o conhecimento dividido em áreas. O importante na realidade hoje é o conhecimento interdisciplinar. É aquele conhecimento que você percebe a ligação entre as ciências humanas, por exemplo, a história, a sociologia, a filosofia e essas matérias têm muita relação com a química, com a biologia, com a matemática, o aluno tem que entender que um experimento científico na área de biologia ele implica em questões éticas, por exemplo, que são debatidos pela filosofia, pela sociologia. Ele tem que entender que a descoberta de novos fatos científicos, pode ser da matemática, da física, da química, mas que isso tem um processo histórico por trás. O conhecimento hoje em dia não pode mais ser compartimentado. Não pode mais ser separado. O conhecimento tem que ser integrado. Esse é o grande desafio da escola hoje, integrar tudo isso e fazer com que os alunos percebam como podem utilizar esse conhecimento para o seu crescimento. Muitas vezes achamos que estamos fazendo uma grande descoberta e se analisarmos os grandes filósofos eles já discutiam isso há milênios. Séculos. Um exemplo é Leonardo da Vinci, pintor, escultor, estudava anatomia humana, paleontologia.
A amplitude de conhecimento aumentou muito, mas não significa conhecimento total?
Por exemplo, um médico ortopedista, ele vai ser especialista em sua área, porém ele tem que saber quando tem que consultar um especialista de outra área. Tenho o meu caso após o acidente, o meu ortopedista consultava o cirurgião vascular. Quando era necessário ele consultava outros especialistas. Isso é muito importante os alunos compreenderem. Como bom profissional você não tem que dominar todos os conhecimentos, você precisa saber onde buscar o conhecimento certo. Você pode dominar a sua área, mas sabe quando precisa conectar um especialista de outra área. O desafio para a escola hoje é esse, fazer com que o jovem olhe para a sociedade, para aquilo que está acontecendo e ele consiga ter as ferramentas para compreender aquilo e saber como agir. No caso da atual pandemia, eu conversava com um professor de matemática, meu amigo, e a toda hora estávamos falando sobre curva de contágio, como funciona. Ele disse que o aluno que prestou a atenção vai entender que aquela curva é uma função quadrática. Ninguém lembra mais o que significa uma função quadrática. Se fosse uma coisa aplicada no cotidiano, entenderiam o significado, saberiam a importância do isolamento social. Iriam entender que o contagio ocorre de forma exponencial, é um contagio muito rápido. É um tipo de conhecimento que ele não vai ter que colocar no papel para resolver, fazer cálculos. Ele vai olhar para o que está acontecendo na sociedade, ele irá entender, vai conseguir correlacionar esses acontecimentos. A partir dai a pessoa terá uma base para tomar decisões. Esse é o grande desafio atual da educação.

Os alunos atualmente, na maioria das instituições de ensino, estão sendo preparados para o aprendizado, ou seus estudos são direcionados para prestarem vestibular?
Depende da instituição, há variações. De um modo geral tem um foco que é o vestibular. Especialmente a rede privada. Na rede particular a escola acaba tornando-se uma empresa, e uma empresa vive de resultados. Para os pais na maioria das vezes, e os próprios jovens também, o objetivo é fazer o filho entrar na faculdade. Acaba virando um ensino “quadradinho”: passar conteúdo, ensinar a resolver problemas para passar no vestibular. Porém, temos que entender que na nossa sociedade nem tudo é preto no branco. Já trabalhei em escolas assim, mesmo escolas que tem esse foco, eles acabam adotando algumas ações, algumas práticas, preparando a pessoa para a própria vida. Não é uma coisa ou outra, posso dizer da minha experiência: o foco é o vestibular, mas que em muitas escolas não é apenas o vestibular, tem uma educação mais para a vida, mais para a sociedade inserida nessas escolas.

Isso depende muito do educador também?
Depende do educador, da formação que ele teve e depende dos subsídios que as escolas dão para o educador. Temos que lembrar que o professor muitas vezes tem que se adequar a metodologia de ensino da instituição em que ele trabalha. Às vezes é muito difícil para o professor, ele precisa usar uma metodologia e a escola não concorda. Para o professor é uma questão difícil, ele precisa daquele emprego, acaba adotando a metodologia que as escolas impõem. Sempre tem escolas que dão espaço para o professor se manifestar, ajudam a construir o projeto pedagógico. Eu tive a felicidade de poder trabalhar. O Dom Bosco foi uma dessas escolas onde a gente tinha essa possibilidade. Por 10 anos dei aula no Dom Bosco da Cidade Alta. Trabalhava no Objetivo de Rio Claro, no ensino fundamental II. Ao longo da minha história trabalhei em muitas escolas. Trabalhei no Objetivo de Capivari, no Colégio Piracicabano.

Daniel, sob o ângulo de professor como você está vendo a COVID-19?
A grande questão é que é uma novidade para todo mundo! Ninguém estava preparado para isso, nem alunos, nem professores. Nem as próprias escolas. Lógico que entra aí a questão das condições. Você tem escolas que tinham uma estrutura melhor, portanto conseguiram dar uma resposta mais rápida. Por outro lado, depende das condições do aluno. Em escolas particulares, por exemplo, os alunos acabam sendo menos prejudicados por conta das ferramentas que nós temos on-line hoje. Aulas, atividades on-line, professores encontram-se com os alunos por meio de aplicativos de conferência, tem esse acompanhamento. Por outro lado, em algumas escolas isso não acontece, tem escolas em que o aluno não tem nem acesso a internet. Aí acaba complicando! Tem escolas que já da capacitação com tecnologia de internet para professores, tem escolas em que os professores não tem facilidade para isso. São fatores que complicam. Tem pessoas que tem mais facilidade para lidar com tecnologia, outras têm mais dificuldades. Todo mundo foi pego de surpresa sem ter muito tempo de se preparar. Os alunos foram prejudicados, as escolas também. É uma situação em que todo mundo perdeu um pouco. Por isso que é importante, na minha opinião, o pensamento da solidariedade. De compreensão. A tolerância mesmo, com as dificuldades sejam dos professores com os alunos, dos pais em casa. Eu vivencio esses dois lados, a minha esposa é professora, ela está trabalhando remotamente, dando aulas remotas, eu vejo todo o trabalho, o esforço dela. E eu tenho uma filha de 10 anos que está estudando remotamente também.

É mais complicado dar aula remotamente?
Acaba sendo! A sala de aula é o local instintivo, já estamos acostumados com aquele ambiente. É o nosso habitat natural, digamos assim. Preparar a aula tem toda uma dinâmica: a forma como preparamos o conteúdo, a interação com os alunos, a preparação da aula é pensada em função da tecnologia que será utilizada. Algumas coisas consigo transmitir através da tecnologia, outras não. A dinâmica de interação é outra. Os professores acabam tralhando muito mais. As aulas on-line demandam mais tempo dos professores.

A seu ver as aulas on-line é uma onda passageira ou deverá ter continuidade?
Não acredito que seja só uma onda. Também não acho que vai ser uma transição imediata. Eu acredito que a utilização dessa tecnologia, desses recursos seja um caminho sem volta. Acabou acelerando um processo que na verdade já estava ocorrendo. Muitas escolas já tinham tecnologia desse tipo em sala de aula. Utilizando tablets, livros digitalizados. O Dom Bosco tem o material digital, o aluno vai para a sala de aula com tablete ou notebook, tem acesso on-line em casa, ferramentas on-line em casa para ele estudar, acompanhamento. Muitas escolas estão adotando isso, agora com a pandemia talvez esse processo se acelere um pouco.

Ao que parece, haverá uma grande mudança de hábitos em determinados segmentos. Uma reunião de executivos fora do país, envolve custos consideráveis, e parece que estão fazendo essas reuniões de forma virtual, com sucesso. É tudo muito novo, não sabemos como irá ficar. Será que vão tomar medidas para evitar a propagação de outras doenças? Trabalho home-office para diminuir a circulação de pessoas.

Daniel, uma ocorrência inesperada e muito grave mudou sua rotina?
Foi em uma tarde, dia 16 de novembro de 2016, uma quarta feira. Eu tinha dado aula em Rio Claro. A aula acabou às cinco horas da tarde, eu estava voltando para casa. Geralmente uso a estrada de Rio Claro a Piracicaba, existe uma outra estrada, que passa por Ipeúna, Charqueada, só que é muito ruim. Como moro em Águas de São Pedro, essa estrada embora perigosa, diminui a distância e tempo de percurso. Eventualmente eu usava essa estrada, mas preferia a outra por ser mais segura. Saí por volta de 17h20 de Rio Claro, eu estava com uma motocicleta Yamaha Tenere 250, é uma moto alta, grande, acredito que isso contribuiu para me salvar. Eu já estava na metade do caminho, o transito era normal, escutei um barulho muito forte, imaginei que tivesse ocorrido algum acidente, essa estrada é repleta de buracos, as carretas, caçambas, ao passar nesses buracos intermináveis fazem muito barulho. No momento em que ouvi o barulho diminui a minha velocidade, nisso vi uma roda dupla vindo na minha direção. O caminhão passou em um buraco e quebrou o semi-eixo da carreta. Vieram as rodas, as peças do semi-eixo, veio tudo na minha direção. Consegui fazer o que deu, tentar desviar, acelerei a moto saindo para o acostamento, foi o que salvou a minha vida também, em vez de pegar de frente, me pegou de lado. É tudo muito rápido. Fui arremessado para longe, quando cai no chão era o momento do desespero, fiquei consciente o tempo todo. O socorro começou a demorar, tive que tomar controle da situação. Conversei com as pessoas que estavam em volta, orientei para que ligassem para o Corpo de Bombeiros. O dono do caminhão parou para me socorrer. Não sei o que aconteceu, mas fiquei entre 40 a 50 minutos no chão da pista esperando socorro. Vários caminhoneiros pararam, como estava com sol ainda colocaram uma lona, uma barraca rustica, para não bater sol no meu rosto. Pedi que ligassem para o 193, que é o número do resgate do Corpo de Bombeiros, os bombeiros chegaram em menos de 15 minutos. Tenho que elogiar muito o trabalho do Corpo de Bombeiros. O primeiro socorro deles foi o que salvou a minha vida. Eles saíram de São Pedro para me resgatar. Eu estava consciente, o bombeiro perguntou-me se queria ir para São Pedro ou Charqueada. Como moro em Águas de São Pedro, fui para São Pedro. Assim que cheguei na UPA- Unidade de Pronto Atendimento de São Pedro, os médicos viram o meu estado, fizeram os primeiros socorros e encaminharam para o Hospital dos Fornecedores de Cana em Piracicaba.

O quadro inspirava muito cuidado.
Na verdade, o meu lado esquerdo foi praticamente destruído. Foram quatro fraturas expostas: duas no braço e duas na perna, perdi 10 centímetros do osso da coxa. Tive várias complicações, como inchaço excessivo, foi bem complicado, tenho que agradecer porque tive uma equipe médica brilhante no Hospital dos Fornecedores de Cana. Fiquei 38 dias internado, no total passei por 14 cirurgias.

Em algum momento passou pela sua cabeça de que não iria sobreviver?
Não pensei nessa hipótese. Eu tinha ciência da gravidade, eu tinha noção de que teria sequelas. Embora os próprios médicos não tinham a certeza da minha sobrevivência.

O que fez com que você tivesse essa força quase sobre-humana?
Acho que tem algumas situações que a gente só sabe como vai lidar quando acontece. Na hora pensei muito na minha família, na minha esposa, na minha filha. Eu procuro me preocupar com aquilo que posso evitar, aquele estrago que já está feito se eu tivesse medo da situação, ali, no hospital, não iria adiantar nada. Eu optei no que eu podia fazer para me ajudar: manter a minha consciência na estrada, fiz um esforço para ficar acordado até o resgate chegar.

Para a sua família esse seu acidente deve ter sido pavoroso?
Eu sempre digo que na verdade eles sofreram mais do que eu. Tive a dor física no começo, e depois eu fiquei sedado. Principalmente os primeiros dias em que fiquei na UTI, e a minha família sempre foi de pedir aos médicos para serem diretos e objetivos. “Não quero o conforto, quero a verdade! ”, a minha esposa é muito assim. Os médicos foram muito sinceros com ela. Tanto quando eu estava melhorando como quando a coisa ficou meio grave. Nesse sentido, minha família sofreu mais do que eu. Eles foram mais fortes, eu estava ali e tinha que ficar, sem nenhuma outra opção. Quem teve que lidar com tudo isso foram os meus familiares. Minha esposa, com o trabalho dela, porque a vida continua. A nossa filha.

Após essa ocorrência a sua visão de mundo mudou alguma coisa?
Muda totalmente! A gente começa a perceber um pouco o que a gente valoriza. Passamos a valorizar a própria vida, não vou mais me irritar com certas coisas que antes me irritavam. O leque de coisas que a gente considera problemáticas diminui muito. Após uma experiência dessa, percebi que tinha muita coisa que eu considerava que eram problemas, que eram dificuldades horríveis, coisas que me perturbavam, me preocupavam, hoje isso mudou. Deixo de me preocupar com algumas coisas e passo a valorizar outras. A minha própria situação, eu fiquei muito chateado quando os médicos me afastaram do trabalho. Pela minha vontade, continuaria dando aulas. Em contrapartida, fico feliz porque estou passando mais tempo com a minha filha. É um privilégio.

Você tem algum hobby?
Alguns! Gosto muito de ler, em média estou lendo dois livros por mês. Gosto de cozinhar, segundo a opinião da família, cozinho muito bem, massas, carnes. Costuro um pouco. Gosto de plastimodelismo.

Você está dirigindo veículos?
Voltei a dirigir algum tempo, na sequencia minha CNH venceu, para renovar precisei pegar a carta especial, tenho 4 centímetros de diferença de uma perna para outra. Fiz as aulas, fui aprovado, só não estou dirigindo porque estou sem a carta de habilitação, por causa da pandemia ainda não chegou.

Carta para moto não?
Sabe que moto é uma paixão! A CNH Especial tirei para as duas categorias. Para moto adaptada também. Mas não fiquei com medo não!

A sua recuperação foi rápida pela extensão do acidente.
Foi até acima do que alguns médicos imaginavam, mas tive muito apoio da minha família, dos meus amigos, por um período tive a necessidade de acompanhamento, e por ser apartamento masculino duplo, tinha que ser companhia masculina, quem dormiu como acompanhante foram os professores, fizeram uma tabela e cada noite ia um professor diferente passar a noite no hospital. Isso por 38 noites. Eu tinha limitações em ambos os braços. Até alimentação alguém tinha que me dar na boca. Essa solidariedade foi muito importante. Essa proximidade me ajudou muito a melhorar. Tem até um episódio curioso. Minha esposa foi interpelada por uma enfermeira: “O que ele é? ”. Minha esposa não entendeu a pergunta, até que a enfermeira falou: “Ele é famoso? Vem tanta gente visita-lo!”. Eu só tenho que agradecer a minha família, meus amigos, meus alunos, as equipes médicas e devo ressaltar que embora sem plano de saúde, 11 cirurgias foram feitas através do SUS, a quem faço um elogio, muitas vezes não temos dimensão de como é importante esse sistema.

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