A Ema e a Revolução dos Bichos

 

Orwell era um visionário. Suas distopias estão se realizando com riqueza de detalhes. Não apenas Orwell, mas Margaret Atwood, Ray Bradbury, Wells, Asimov e tantos outros. A distopia está no aqui e agora – e, como muitas delas previram, não temos mais pernas, braços e muito menos tantas cabeças dispostas a lutar contra um mundo que, a espelho do enredo desses romances, nos assola.

Dentre autores de distopias agora clássicas, Atwood previu como ninguém o que a força de uma falsa moral baseada num cristianismo deformado e destrutivamente reinventado por pastores do dinheiro e do poder está sendo capaz de fazer com a sociedade de hoje. Sob os olhos Dele, o medo do inferno embutido na alma simples do povo criou uma irmandade fortemente constituída – capaz de financiar o mal e de elegê-lo sob o comando de líderes religiosos televisivos e milionários (mesmo que tal ação contrarie tudo o que a fé, que dizem seguir, predispõe). E tome fazer arminha com a mão colocando a Bíblia debaixo do braço!

Bradbury, por sua vez, incendiou a literatura com seu romance incendiário. Narrando o ataque ao conhecimento, à leitura e ao mundo dos livros, sua distopia nos queima os olhos diante da grande fogueira na qual ardem o conhecimento e a ciência. Mais atual impossível. Afinal, sem precisar de grandes focos incendiários em praças públicas, o contemporâneo nacional carboniza agora o saber a olhos vistos. Contra o livro, a burrice. Contra a ciência, o eu acho – a fake news no Whatsapp do grupo da família e dos amigos, o boato no Twitter, a mamadeira de piroca no Facebook, o videozinho maldoso no Youtube.

Em meio às fogueiras das redes da web, os robôs de Asimov não saberiam fazer, como os de hoje, campanhas eleitorais fraudulentas ou seriam responsáveis por disparos de boatos em massa. Menos maléficos, portanto, dos que os de agora, esses robôs não eram capazes de valerem-se da força da religião deformadora (como a da distopia de Atwood) e da destruição do saber e dos livros (como em Bradbury) para elegerem a pior espécie de políticos para os cargos mais altos da nação. Nem mesmo a distopia robótica de Asimov foi capaz de imaginar a união de milícias e malícias em gabinetes cibernéticos envolvidos na disseminação do ódio.

Distopias em foco, todavia, e retomo o começo deste texto, a meu ver ninguém foi mais preciso em descrever as agruras deste momento histórico do que George Orwell em “A Revolução dos Bichos”. Seu romance é uma aula sobre o que podem os totalitaristas que são alçados ao poder como mitos de araque assentados na ideia da força e da violência. Conhecedores que são da atração popular pela repressão e pelo fetiche da dominação brutal como forma de controle e manutenção da ordem, os porcos – e aí me refiro, claro, às personagens da Revolução de Orwell – sempre dão um jeito de convencer aos outros bichos do celeiro e do estábulo a darem a eles o poder político sobre todos.

Grande Orwell. E que previsão! Pena ele não ter previsto que, dentre os bichos a serem dominados, há sempre umas Emas corajosas dispostas a arriscar a vida ao bicar as mãos despóticas que fingem querer alimentá-las. Talvez tenha faltado a Orwell essa visão. Quem sabe, caro Orwell, a revolução dos bichos, cada vez mais necessária, não esteja começando hoje pelas Emas.

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