Um príncipe intelectual e de espírito arejado

Há 100 anos, mais precisamente no dia 26 de março de 1920, faleceu em Cannes, na França, D. Luiz de Orleans e Bragança (1878-1920), que é geralmente considerado como tendo sido o neto mais brilhante e destacado do Imperador D. Pedro II. Era o segundo filho da Princesa Isabel de Bragança (1846-1920), herdeira do trono imperial, e do príncipe francês Gastão d´Orleans, Conde d´Eu (1842-1922).

  1. Luiz era ainda menino de 11 anos quando, em decorrência da proclamação da República, partiu com seus familiares para o exílio na Europa, sendo sua educação realizada, durante a adolescência, na França, e mais tarde numa academia militar vienense, a Wiener Neustadt.

Sua vida aventurosa e de certo modo romanesca deu margem a que sobre ele se estabelecesse uma espécie de legenda, e que em sua pessoa nutrissem esperanças de uma restauração monárquica os saudosos do império brasileiro. Sua tentativa frustrada de desembarque no Rio de Janeiro em 1907, em plena vigência da Lei do Banimento, que proibia aos membros da Família Imperial o retorno ao Brasil, atraiu as atenções do país inteiro. Os manifestos políticos que publicou e seu empenho em atuar no Brasil, com vistas à arregimentação de um movimento monarquista que, sob sua orientação, trabalhasse para a restauração do antigo regime, bem como os diversos livros que escreveu, relatando suas viagens por várias partes do mundo – dentre os quais o mais conhecido e importante é Sob o Cruzeiro do Sul, cuja edição em português foi custeada pelo Centro Monárquico do Amazonas – fizeram com que fosse considerado, até mesmo em meios não ligados ao movimento monárquico, um príncipe intelectual, de espírito aberto e arejado, compreendendo as necessidades dos novos tempos e propondo, de seu lado, uma visão mais atualizada de monarquia. Sua preocupação com os problemas sociais, que então despertavam a atenção de muitos analistas políticos, fez com que chegasse a ser considerado, de modo por certo inadequado, um “príncipe (…) pioneiro do Socialismo de Estado” – expressão usada por Gilberto Freyre e acentuada por João Camillo de Oliveira Torres, que o declarou “o mais avançado líder socialista brasileiro da época”.

Impressionou profundamente a numerosas pessoas que com ele trataram e parecem ter sido rendidas por uma espécie de encanto que irradiava de sua personalidade. Entre outros, podemos citar Oliveira Lima, Martim Francisco de Andrada (conhecido como Martim Francisco III), o Barão do Rio Branco, Ruy Barbosa e Euclides da Cunha, sem falar no rei Alberto I, dos Belgas, que considerava seu primo brasileiro “homem como poucos, príncipe como nenhum”. Foi com o epíteto de “Príncipe Perfeito” que ficou sendo conhecido. Ao que parece, foi Martim Francisco que assim começou a chamar-lhe.

Não era o herdeiro imediato da coroa, mas apenas o segundo filho da princesa. O primogênito, D. Pedro de Alcântara (1875-1940), nascido em um parto difícil e portador de uma lesão no braço, causada pelo fórceps com que fora ajudado a nascer, revelou-se, desde cedo, mais inclinado para a vida particular e de família do que para os grandes embates da vida pública e da atuação política. Pouco a pouco, Pedro foi mostrando seu desinteresse pela restauração monárquica no Brasil, ideal muito dificilmente atingível, que exigiria a realização de um prolongado trabalho para o qual não se sentia preparado nem disposto. Seu ideal se configurou, antes, na constituição de uma família com a jovem baronesa Elisabeth Dobrzensky von Dobrzenicz, que escolhera para companheira de sua vida, que era proveniente de uma antiga família da nobreza checa, mas não tinha em suas veias sangue real.

Enquanto isso, Luiz direcionou sua vida inteiramente para alcançar o objetivo ao qual se sentia predestinado: a restauração dos Bragança no trono do Brasil. E submeteu todos os seus interesses, até mesmo os afetivos e sentimentais, a esse objetivo último.

Viajou muito, observou muito, travou contato com muita gente e foi, pouco a pouco, elaborando um ideário político lógico e coerente, expresso, entre outros documentos, nos dois manifestos que dirigiu aos brasileiros, dos quais mais adiante se falará neste trabalho.

De um lado, era entranhadamente monárquico e, como tal, tradicionalista e conservador. Mas, de outro, era um jovem moderno, observador, imbuído da convicção de que as instituições monárquicas, que haviam atravessado séculos e milênios da História, na conjuntura concreta em que se encontrava, na primeira década do século XX, ou se adaptavam aos tempos novos ou seriam pura e simplesmente varridas da História.

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

 

 

 

 

 

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