Leandro Cuerbas
Enquanto estudos demonstram que as ações humanas têm acelerado a velocidade das extinções de seres vivos, em especial, pelo nível de consumo de recursos naturais que atingimos nas últimas décadas (como demonstrado em artigo publicado pelo The New York, em 01/06/2020), a atual gestão ambiental do governo federal vai na contramão de acordos firmados, de pesquisas, estudos e dados divulgados.
Para começo de conversa, a nomeação de Ricardo Salles para a pasta ambiental parece bastante controversa. Salles já foi secretário de Meio Ambiente no governo paulista e tem sobre suas costas uma condenação em primeira instância justamente por improbidade administrativa num processo de beneficiamento a uma empresa mineradora, com graves consequências ao meio ambiente. Essa investigação, à época, não foi impedimento para a sua nomeação. E a condenação, tampouco o foi para a sua demissão, já que este permanece no cargo.
Em episódio marcante na história recente do Brasil, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), cumprindo suas funções estabelecidas, divulgou dados sobre o desmatamento da floresta amazônica, nos quais evidenciavam um aumento de 50% destruição da floresta na comparação entre 2018 e 2019, o mês de julho teve aumento de 278% em comparação ao mesmo mês de 2018. Qual atitude do Chefe do Executivo Federal? Reforçar políticas e fiscalizações? Criar novas ações? Não! Exonerar o chefe do Instituto, que, diga-se de passagem, é reconhecido como um dos pesquisadores brasileiros mais respeitados no mundo e apontado pela revista Nature como um dos dez mais influentes em 2019.
Dando continuidade à negação das informações e ao desmonte, o governo tem trabalhado em prol de grileiros, mineradores e latifundiários ao colocar em prática o desmonte da estrutura de fiscalização do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), diminuindo o quadro de funcionários ao demiti-los por exercerem suas funções fiscalizadoras e, ao mesmo tempo, tendo o menor balanço de aplicação de multas por regularidades nos últimos 21 anos e extinção de bases avançadas desses órgãos, o que impede uma fiscalização mais pormenorizada e um trabalho de preservação mais eficaz.
O governo também concedeu anistia a proprietários rurais que desmataram partes de APPs (Áreas de Proteção Ambiental), que estão presentes no que resta da Mata Atlântica brasileira, um dos biomas mais devastados do país ao longo da história.
Em reunião ministerial realizada em 22 de abril, gravada e apresentada ao público recentemente, Ricardo Salles defendeu que o governo, em meio a pandemia, deveria tramitar e aprovar medidas que desregulamentariam ainda mais o setor ambiental, já que todos os holofotes midiáticos estariam voltados para a cobertura da Covid-19, o que desviaria o foco das discussões sobre as diferentes medidas e facilitaria a colocada delas em prática.
Um possível desdobramento dessa fala, é a proposição do Projeto de Lei 2633, de 2020, que dispõe sobre a regularização fundiária de ocupações em áreas da União, que corrobora com a Medida Provisória 910, que anistiava médias e grandes propriedades que ocupavam áreas públicas. A MP tinha validade de 120 dias e não foi votada pelo Congresso, perdendo assim a sua validade. O P.L foi proposto para cumprir o que previa a M.P e, na prática, regulamentaria a grilagem, ou seja, a apropriação de terras por particulares, com consequências ambientais, sobre o desmatamento e sobre as comunidades tradicionais. Vários setores da sociedade repudiaram o conteúdo do P.L.
Além do custo ambiental, que é irreparável, há o custo da credibilidade no governo brasileiro, que reverbera nas relações internacionais bi e multilaterais. Nessas discussões o país tem perdido o protagonismo que historicamente vinha sendo construído, o que a médio prazo pode afetar a economia: a Câmara do Deputados dos EUA se posiciona contra a expansão dos laços econômicos entre o país e o Brasil, diante da persistência de uma ausência de política clara para as questões ligadas ao meio ambiente; o Parlamento Europeu tem dado indicativos de que contrariará a ratificação do acorde de Livre Comércio entre a União Europeia e o Mercosul. O que, a meu ver, também pode estremecer as já cambaleantes relações do Bloco Sul-americano; e empresas de investimentos de 9 países diferentes culpam governo Bolsonaro por enfraquecer as ações de proteção ambiental e, por esse motivo, podem deixar de investir em ativos ligados ao país.
Diante de tantas práticas nocivas ao meio ambiente se torna quase impossível ainda se pensar em algo positivo. Mas há algo a ser comemorado! A sociedade civil, por meio de entidades, ONGs, artistas e intelectuais tem feito pressão para impedir que determinados retrocessos sejam implementados, como foi o caso da revisão da legislação de terras. Além disso, pesquisa do Instituto Ipsos revela que 85% dos brasileiros apontam que as questões ligadas ao meio ambiente devem ser tratadas como prioridade pelo Brasil após a pandemia do coronavírus. Nesse pequeno balanço aqui realizado, o cálculo tem indicado para um aprofundamento do desmonte e dos retrocessos na área ambiental no Brasil, mas também se demonstra que a sociedade tem reagido em prol de reverter essa conta.
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Leandro Cuerbas, especialista em Segurança Alimentar e Nutricional pela Unesp e professor de Geografia na Rede de Ensino do Estado de São Paulo