Entrevista: “Profissional é quem estuda, minha máquina não estuda!”

Irineu Munhoz morou por 16 anos em São Paulo e até hoje é procurado por grandes empresas paulistanas – Crédito: Divulgação

JOÃO UMBERTO NASSIF

Piracicaba é uma cidade que surpreende pela qualidade e quantidade de grandes profissionais, nem sempre muito conhecidos na própria cidade, mas de renome nacional e internacional. O fotografo profissional Irineu Everson Munhoz é um desses casos. Por muitos anos realizou fotografias para a chamada grande mídia, conviveu com pessoas de renome internacional, sem deixar se levar pelo glamour natural nesses ambientes. Com 32 anos de profissão, morou por 16 anos em São Paulo, até hoje é procurado por grandes empresas paulistanas. Quando voltou para Piracicaba, fez alguns trabalhos para “A Tribuna Piracicabana”, na época a diretora responsável por esse setor era a jornalista Astir Valim Vicente.

Você é natural de Piracicaba?
Nasci aqui em Piracicaba, no dia 26 de julho de 1966. Sou filho de Irineu Munhoz Perez e Helena Luzia Berno Munhoz Perez, que tiveram mais dois filhos: Adriana e Marcelo. Meu pai exerceu diversas atividades, foi carpinteiro, trabalhou na Cooperativa da MausaS/A Equipamentos Industriais e atualmente faz manutenção em máquinas de lavar roupas.

Ele continua trabalhando?
Com 78 anos continua trabalhando!

Você fez seus estudos em qual escola?
Inicialmente na Escola Estadual Professor Augusto Saes depois fui para a Escola Estadual Sud Mennucci de Piracicaba, onde conclui o curso colegial. A seguir, em 1983, fui para São Paulo. Eu queria ser fotógrafo. Meu objetivo era o de fazer o curso de Publicidade e Propaganda. Fiz o Cursinho Objetivo, no prédio da Gazeta, na Avenida Paulista. Fiz o vestibular, entrei na ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing. Tida como uma das melhores no segmento, o seu custo sempre foi proporcional. Eu tive que fazer a opção: ou estudava ou me alimentava. Havia a possibilidade de assistir as aulas sem pagar, porém, isso não dava o direito a fazer as provas e obter o diploma. É o chamado “aluno assistente”.

Você trabalhava?
Comecei a trabalhar aos 14 de idade no Banco do Brasil de Piracicaba, era “menor-aprendiz”. Do Banco do Brasil fui trabalhar no Banco Nacional, lá eu pedi transferência para São Paulo, fui trabalhar em uma agência na Vila Mariana. Trabalhei em banco muitos anos até arrumar um emprego na Paranapanema Mineradora. Eu queria mudar de área, além do salário ser melhor. Tanto o Banco Nacional como a Mineradora Paranapanema ficavam na Avenida Paulista, próximo ao Trianon. Sai da Paranapanema e fui trabalhar em um laboratório fotográfico de propriedade de Edu Oliveira. Trabalhei um ano de graça no estúdio, vendia Natura, uma série de produtos para as modelos que estavam no estúdio para poder pagar minhas despesas e poder aprender. Comecei a revelar, trabalhar no laboratório, trabalhava durante o dia no estúdio para revelar a noite no laboratório.

Você pegou a época em que se usava filme nas máquinas fotográficas, diferente das atuais digitais.
Como eu não ganhava salário, as vezes sobrava um filme eu ganhava, para ir treinando. Muitas vezes sobrava um filme de algum trabalho ele me dava. Eu emprestava o equipamento dele. Eu chegava no estúdio umas seis horas da manhã, montava, fazia umas fotos, as nove horas da manhã eu fazia as coisas dele.

Vocês atuavam em diversas áreas, inclusive de modelos?
Ah! Sim! Fazíamos todo tipo de foto que exigisse qualidade. Fizemos a capa do disco do Paulo Ricardo, fotografamos Luciana Vendramini, Adriana Galisteu.

Faziam fotos de nus artísticos?
Essas fotos eram para propaganda de lingerie. Mais tarde fui trabalhar na Playboy, lá eu ajudava, não trabalhei com o famoso Duran, mas o conheci. Para a Playboy fiz umas fotos de publicidade, e antigamente tinha a “coelhinha” eram uma ou duas fotos de meninas que queriam ficar famosas.

Essas fotos eram com roupa ou sem roupa?
Das duas formas.

Para a modelo, ficar sem roupa não deve ser agradável, como o fotógrafo trabalha com isso?
No estúdio está o fotógrafo, o assistente, o maquiador, a produtora, fica muita gente, cada um em uma função, na realidade a modelo é encarada como um produto, todo mundo tem que fazer o seu trabalho. A fotografia publicada na revista passa por uma edição, ou seja, a modelo não é exatamente o que a fotografia mostra. Há casos célebres de “beldades” que passaram por primorosas edições de computador. Muitas horas foram gastas para editar, corrigir imperfeições de toda ordem. É o tratamento dado a um produto! Com relação a modelo, procura-se passar um clima de muito profissionalismo e tranquilidade. Ela tem que saber que é um trabalho onde todos se respeitam.

Você tem alguma fotografia que o deixou marcado junto ao público?
Fiz várias fotografias marcantes, trabalhei muito com estilo, com publicidade. Fiz muita coisa. Teve fotos que eu mais gostei. Por exemplo, fiz um trabalho com a Xuxa (Maria da Graça Xuxa Meneghel) era um trabalho para o Hospital do Câncer, ela valorizou o meu trabalho.

O que você achou da Xuxa como pessoa?
Bem tranquila. Como pessoa ela parece uma menina assustada! Ela é retraída, recatada. Não é uma pessoa expansiva.

Convivendo nesse nível, você teve rendimentos financeiro consideráveis?
Tive um bom padrão de vida, mas nada de luxuoso. Em uma oportunidade, fiz catálogos da AVON, eles remuneravam com base no valor do dólar, eu trabalhei tanto que fiquei até doente. Eu nem dormia. O dinheiro que ganhei gastei me tratando! Fazia o catalogo da AVON, daqui e da Bahia. Uma vez uma revista do Canadá a Toronto Magazine me ligou, era para fazer fotografias da Suíte Presidencial do Copacabana Palace, fizemos as fotos, inclusive a noite, sei que no fim eu acabei dormindo na suíte presidencial! Quem me viu saindo da suíte presidencial deve ter imaginado que eu era muito importante!

A fotografia proporcionou-lhe uma vida muito interessante?
Foi interessante! Com seus altos e baixos! Em São Paulo morei em vários bairros: Zona Norte, Bixiga, Liberdade.

Quando você morava em São Paulo era solteiro?
Era solteiro. Comecei a perceber que passava em torno de seis horas por dia, dentro de um carro, em função do trânsito. Pensei que não queria aquilo para mim e se um dia fosse casar ia querer que meus filhos subissem em árvore. Na época namora uma moça de Piracicaba, que veio a ser minha esposa. Ela era química e depois decidiu pela Terapia Corporal. Ela atua na área. Sou casado com Miriam Volpato, temos três filhos: Yacco, Mindy e Megara.

Mesmo em Piracicaba, você manteve seus contatos de trabalho em São Paulo?
Continuei trabalhando em São Paulo. Ia para lá e voltava à Piracicaba. A Editora Planeta por exemplo, eu fazia muitas fotos dos colecionáveis deles. Quando não achava um estúdio, alugava um quarto em um hotel e trabalhava no quarto do hotel. Trabalhava a noite, às vezes, em função dos flashes vinha algum funcionário do hotel perguntar se estava tudo bem. Imaginavam que estava dando curto-circuito no meu quarto.

Em termos de remuneração, Piracicaba não tinha como competir com São Paulo?
No interior a remuneração é menor. E o que eu fazia em São Paulo, aqui tinha muito pouco. Eram poucas agências de publicidade eu não conseguia me adaptar com o valor foi quando descobri que em Piracicaba havia muita gente que fazia eventos. Passei a fazer eventos. Comecei a ter muito trabalho aqui, montei um estúdio em Piracicaba. Hoje em decorrência da pandemia estou trabalhando no sistema Home Office. Tinha meu estúdio na Avenida Itália, o pessoal que estava comigo saiu, eu não ia ficar sozinho.

Você fez muitas fotos para grades companhias?
Entre ela fiz para a Nestlé (Yopa), Cristais Baccarat. Fiz para a H.Stern um catálogo de um relógio de safira, tinha o formato oitavado. Levei uns 20 dias para fazer uma foto. Quase fiquei doido. Na época não tinha os recursos de informática. Fui fazer umas fotos do Cristal Baccarat e fiquei deslumbrado com a beleza de tudo. Na época cobrei um valor compatível com o requinte do produto. Nessa época eu estava namorando, íamos casar, embora encantado com as belezas das peças, não imaginava que se tratava de produto para alguns afortunados, peguei umas taças, um jogo de pratos, um jogo de cristal para espumante. Eram coisas bonitas que peguei na promoção. Apesar de ter cobrado um bom valor pelo meu trabalho, quando fui acertar as contas, descobri que a minha pequena fortuna não dava para pagar o que eu tinha comprado! No final acertamos tudo, recebi um desconto e vim para casa, com o Cristal Baccarat e sem dinheiro pelo trabalho realizado!

Para efeitos fotográfico, o cristal dá muitos reflexos?
Tem muitos reflexos, transparência tem que fotografar com fundo de contraste e só com luvas.

Todo fotografo tem uma marca de equipamento preferida. Você pode dizer a sua?
Hoje eu uso tudo Nikon. Câmera, lentes, flash. Existe máquinas que tornarem-se ícones, Uma delas, cuja fábrica foi fundada em 1913, é a Leica (Pronuncia-se “Laika”) é produzida por uma empresa alemã, fabricante de produtos óticos e equipamentos para vídeo e fotografia . Destaca-se pelas câmeras e lentes de alto padrão, que muitas vezes são confeccionadas manualmente. Ganhou visibilidade mundialmente nos anos 50, nas mãos de Henry Cartier-Bresson, um dos ícones mais conhecidos da história da fotografia que utilizou somente uma câmera Leica “Rangefonder” e uma lente 50 milímetros durante praticamente toda sua vida como fotografo. Sebastião Salgado também usa algumas lentes Leica. Eu imagino que possa ter existido pessoas que achavam que se utilizassem equipamentos de fotógrafos famosos também iriam ficar famosos. Como certa vez um professor citou: “Alguns pesquisadores afirmaram que no cachimbo que Shakespeare usava tinha sinais de cannabis. Logo, se para ser genial como foi Shakespeare é só usar cannabis, a sua chance de transformar-se em um viciado é milhares de vezes maior do que tornar-se um gênio”.

As pessoas questionam muito a respeito de qualidade de máquina fotográfica?
Perguntam se a minha máquina é profissional. Respondo: “Minha máquina é boa! Profissional é quem estuda, minha máquina não estuda! Quem estuda é o profissional, ele fica atrás da máquina, a máquina nunca irá ser boa profissional, ela tem sim seus recursos, inclusive ela não raciocina, se você disser a ela o que ela tem que fazer, ela não faz!. Não existe máquina profissional, existe o profissional que fica atrás da máquina! ”

Atualmente você trabalha com qual modelo?
Com uma D-750.

Essas máquinas vêm só com o “corpo”. Depois existe um tipo de lente para cada objetivo que a pessoa pretende. Para quem está começando, qual modelo de que você recomenda?
Essa é uma questão que depende do que a pessoa deseja fazer. Uma boa lente, com qualidade e preço baixo é uma lente de 35 milímetros.

Sabemos que além dos apaixonados por fotografias, existem escolas de publicidade onde o aluno tem que praticar. A opinião de um profissional do seu nível é muito valiosa, mesmo porque você não comercializa equipamentos!
O iniciante pode ter um equipamento de qualidade, e a medida em que aprimorar seus estudos, tendo recursos, pode ir adquirindo equipamentos que irão aperfeiçoar sua técnica.

A seu ver, para o iniciante, qual é o melhor programa de computador para tratar imagens fotográficas?
Tanto para o iniciante como quem já tem experiência, considero dois programas: Lightroom e Photoshop, os dois são da Adobe.

Tem muita gente que tem o Photoshop instalado, mas não tem nem o conhecimento básico. Você acredita que pode proporcionar um curso a respeito?
Posso. Há cursos, porém com o objetivo de vender um equipamento ou acessório de maior valor. O objetivo é vender. Assim como existem cursos que se prolongam sem sentido, tirando o foco do aluno.

O piracicabano gosta de registrar em fotografias pessoas, famílias, passeios, lugares, eventos. As fotos amadoras com celulares é uma prova disso. Você faz fotos de casamentos?
Faço! Bastante ainda!

É muito rentável?
Já foi. Com a pandemia quantos casamentos serão realizados? Hoje há muitos fotógrafos que se dedicam a fotografar casamentos. Dos mais antigos ficaram os teimosos, inclusive eu. Na realidade, temos que estar sempre reciclando, com equipamentos mais avançados, ou perde-se o espaço,

Você conheceu Sebastião Salgado?
Conheci em Curitiba, em uma bienal de fotografia.

O que você acha da opção dele em fazer fotos em preto e branco?
Ele gosta muito. Na verdade, ele até brinca dizendo que as cores o confundem. Quando você faz foto em preto e branco, acaba vendo só a luz. Com isso você consegue um controle melhor de luminosidade. Alguns eventos que vou fotografar, fotógrafo em preto e branco, passam a ter cor quando passo para o computador.

Quando você fotografa casamento tem que levar mais alguém junto?
Hoje sim! Criou-se um protocolo muito grande em casamentos, que hoje você precisa de uma equipe boa. Tem que haver uma sintonia muito boa, sempre vai ter alguém que estará fotografando onde você não pode estar. Antigamente não tinha isso, mas hoje se faz as fotos do noivo se arrumando e da noiva se arrumando. Como não dá para fotografar os dois ao mesmo tempo, você coloca um profissional para ajudá-lo. Digo que é a síndrome do Batman e Robin! O casamento foi agregando protocolos, coisas que foram sendo criadas, para ficar uma cerimônia mais bonita, é a economia de consumo. Temos muito mais passos, mais coisas do que era antigamente. Da mesma forma as pessoas pedem muito mais do que antigamente. Antigamente o casal ia até o estúdio, fazia uma fotografia vestidos a caráter, e pronto, ia para o porta-retratos. Depois vieram as fotografias de casamento, o álbum de casamento, até chegar os dias de hoje, onde temos um álbum com fotos que parecem um livro impresso, escrevem no livro com letras impressas. Começamos com uma foto em estúdio, passou para uma dúzia de fotos, quando estava com filme chegava a fazer 400 fotos de um casamento. Hoje em um casamento você faz mais de 6.000 fotos! Tem alguns profissionais que chegam a fazer 10.000, 20.000 fotos de um casamento!

A noiva vai escolher quantas, em média?
Quando você faz muitas fotos, muitas coisas ficam quase que repetidas, é feita uma pré-seleção, e você só manda as melhores para a noiva escolher. Geralmente são mandadas umas 1.000 fotos, ela escolhe umas 100 fotos.

Quando termina o casamento, geralmente o fotógrafo está muito cansado?
Diversos fatores contribuem para isso, entre eles o fato de estar trabalhando de oito a dez horas, em pé. O nível de atenção é muito grande. Imagine se você perder a entrada da noiva na igreja? Você é um fotógrafo morto! Ela irá ficar decepcionadíssima! Imagine se na hora da troca de alianças você não tem fotos?

Você já publicou algum livro?
Não, mas tenho pensado em fazer um sobre histórias de casamento. Vivenciei muitas histórias inusitadas.

Existe alguma foto que você fez e tem predileção?
Senti muito a importância da fotografia quando fiz um projeto da Fundação Ilumina, algumas mulheres em tratamento, portadoras de câncer, era um book, fiz uma sessão de fotos para deixá-las bonitas, felizes. Muitas delas até hoje são minhas amigas. Para elas foi um momento maravilhoso. Algumas disseram que foi um incentivo para lutar pela vida.

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