O cristianismo e a decadência do Império Romano

Um assunto muito debatido, entre os historiadores, é a decadência do Império Romano. Por que terá ele decaído? Quais os fatores que explicam que um poderoso Império, sólido, bem constituído e bem organizado, que durante mais de um milênio havia sobrevivido a crises e dificuldades sem conta e chegara a dominar estavelmente a maior parte do mundo então conhecido, possa ter declinado e chegado ao ponto de desaparecer?

Existem muitas teorias explicativas para essa decadência. No fundo, podem ser reduzidas a dois grandes grupos. O primeiro considera que o Império morreu naturalmente, em decorrência de um processo de envelhecimento que o levou ao declínio e à morte. O segundo procura causas externas e mais imediatas, que teriam provocado uma crise à qual o Império não teve forças para resistir.

Discute-se muito, também, qual o papel do cristianismo nesse processo. Na época em que ele se dava, remanescentes do paganismo criticavam abertamente os cristãos, apontando em sua doutrina elementos que, segundo eles, seriam contrárias às antigas virtudes romanas. A mansidão, o desejo de paz e concórdia, a recomendação evangélica de não reagir aos insultos, mas perdoá-los e oferecer novamente a face ao agressor, tudo isso teria produzido um enfraquecimento da rija têmpera dos antigos romanos.

Que o cristianismo combateu uma série de hábitos entranhados na cultura antiga dos romanos é fora de dúvida. Mas parece excessivo ver nesse combate a causa do amolecimento do caráter e da fibra da velha Roma. Pelo contrário, o cristianismo representou, na decadente sociedade romana, um papel de renovação e fortalecimento, como destacou Santo Agostinho (354-430) na Cidade de Deus, obra escrita naquele período, justamente para defender o cristianismo contra seus críticos que o apontavam como inimigos do Império. Em uma carta famosa (Epist. 138 ad Marcellinum, cap. II, n. 15), o genial Bispo de Hipona afirma textualmente:

“Os que dizem que a doutrina de Cristo é contrária ao bem do Estado deem-nos um exército de soldados tais como os faz a doutrina de Cristo, deem-nos tais governadores de províncias, tais maridos, tais esposas, tais pais, tais filhos, tais mestres, tais servos, tais reis, tais juízes, tais contribuintes, enfim, e agentes do fisco tais como os quer a doutrina cristã! E então ousem ainda dizer que ela é contrária ao Estado! Muito antes, porém, não hesitem em confessar que ela é uma grande salvaguarda para o Estado quando é seguida. “

Na verdade, nos primeiros séculos da Era Cristã o Império Romano estava velho e cansado, e precisava de renovação. As nações, os impérios, os povos, também têm um ciclo de vida, assim como nós, homens ou mulheres individualmente considerados, temos o nosso ciclo vital. Os impérios nascem, crescem, tornam-se adultos, depois envelhecem e morrem. Essa a lei da vida. Tudo tem seu tempo inicial, seu crescimento, seu auge e sua decadência.

O poderio romano, quando se expandiu nos tempos de César (no final do período republicano de sua história), e, depois, nos de Augusto (já com o Império formalmente constituído), ainda possuía uma dinâmica extraordinária, mas algo de sua velha seiva já parecia um tanto diminuído. Roma provavelmente acabou vitimada por seu próprio gigantismo. Cresceu demais, incorporou povos demais, deixou que se corrompesse a sua aristocracia. A defesa do Império, cada vez mais passou a ser feita por forças conscritas de povos conquistados, não mais pelo antigo e tradicional patriciado de Roma. Tudo isso foi marcando uma decadência. O Império precisava de uma renovação, tinha necessidade absoluta dela.

Falaremos dessa renovação, que de fato não ocorreu, no próximo artigo.

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutorna área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

 

 

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