Entrevista – Eliane Giuliani Menegatti

Eliane Giuliani Menegatti – Crédito: Acervo pessoal

JOÃO UMBERTO NASSIF

Em tempos de Covid-19 o mundo foi pego de surpresa. Situações impensáveis. Muitos têm recursos financeiros para dar várias voltas ao mundo e não podem, outros estão em barracos de um cômodo só, amontoados, todos escutam: “Fique em Casa”, frase pronunciada como um mantra em quase todos os idiomas. Muitas pandemias já infestaram a humanidade, em larga escala, até que a ciência passou a ter controle sobre elas. A Peste Negra (13333 a 1351), causou 50 milhões de mortes; Cólera causou centenas de milhares de mortos (1817 a 1824); Tuberculose: 1 bilhão de mortos (1850 a 1950); Varíola 300 milhões de mortos (1896 a 1080); Gripe Espanhola 20 milhões de mortos (1918 a 1919); Tifo 3 milhões de mortos (Europa Oriental e Rússia) (1918 a 1922); Febre Amarela 30.000 mortos (1960 a 1962); Sarampo 6 milhões de morto por ano, até 1963; Malária 3 milhões de mortos por ano desde 1980; AIDS 22 milhões de mortos desde 1981.(Fontes: Organização Mundial da Saúde (OMS) e Fundação Oswaldo Cruz.

O que mudou? Atualmente, a Covid-19 é uma pandemia que nos tempos atuais jamais pensaríamos que poderia ocorrer na velocidade e na sua abrangência. Uma enxurrada de especialistas, Profetas do Apocalipse, remédios e curas de todas as origens e natureza surgiram de todos os cantos do planeta. Toneladas de papel são gastas para alguns especialistas, ou não, falarem sobre o assunto. Milhares de horas de rádio e televisão tratam do assunto. Literalmente pegos de calças-curtas, os políticos e responsáveis pela saúde, andam em círculos, a espera que a ciência traga a cura. Os mandos e desmandos, o pânico, rapidamente refletiram na economia de forma profunda. Tudo isso em escala mundial! As doenças acima relatadas, bem como o número de vítimas, não visam minimizar a atual Covid-19, apenas a História mostra que a humanidade já vivenciou grandes momentos de dor. O que mudou foi a velocidade e o acesso às informações, muitas corretas e outras especulativas, ou até mesmo com objetivos obscuros. Cabe-nos filtrar as informações, usando bom senso. Eliane Giuliani Menegatti é uma piracicabana, de família tradicional, que reside no Canadá. Com exclusividade, em linha direta, esta semana, foi entrevistada pela “A Tribuna Piracicabana”. O seu depoimento retrata o sentimento de muitos brasileiros residentes ou em viagens de turismo, no exterior.
Eliane Giuliani Menegatti via telefone, no exato momento desta entrevista está em Toronto, Canadá, uma cidade com 2,731.571 habitantes, quarta cidade mais populosa da América do Norte.
Eliane, você nasceu em qual cidade?
Nasci em Piracicaba a 24 de fevereiro de 1972.
Sou filha de Maria Belis Giuliani Menegatti e Francisco Menegatti, tenho mais três irmãs, a Rosangela, Sandra e Claudia.

Você fez seus estudos em Piracicaba?
O primário fiz na Escola do Primeiro Grau do Bairro Santo Antônio, atualmente o local passou a ser conhecido como Campestre. A Igreja Santo Antônio, próxima de casa existe até hoje. A escolinha virou uma clínica de recuperação de pessoas com dependência química. Da quinta a oitava série estudei na Escola Estadual Antônio de Mello Cotrim, o Curso Colegial estudei na Escola Estadual Dr. Jorge Coury, após concluir entrei já no segundo ano de magistério no Instituto de Educação Sud Mennucci (Curso Normal), estudei e fui aprovada, mas não me identifiquei com a função. Dei por encerrada a minha participação no curso. Fiz cursinho pré-vestibular, entrei na Faculdade de Tecnologia Textil em Americana, na Fatec, me formei, a primeira empresa em que trabalhei foi na Fitas Progresso ela se uniu com a Hudtelfa. Depois fui trabalhar com José Silva, em uma malharia, no Machadinho, que é um condomínio de empresas. De lá fui trabalhar na Fibras DuPont. De onde sai em 2002. Em seguida fui para a Starup em Botucatu Na Du Pont entrei como analista de laboratório, depois fui Assistente Administrativa da Gerência Geral até 1995, passei a ser Assistente da Engenharia de Projetos, quando sai de lá fui ser Coordenadora e Analista Técnica da Starup. Na época 80% da produção da Staroup era para a Levi’s. Tanto exportação como mercado interno, eu tinha responsabilidade de analisar em laboratório o que era produzido lá e mais a parte e malharia que vinha de São Paulo, reportava a qualidade das peças e liberava a produção.

Você saiu da empresa?
A Staroup faliu. Como a Du Ponto tinha só um ramo têxtil ela vendeu para o Grupo Invista. Na época a Du Pont preferiu ficar com a parte agrícola.

Americana era um polo têxtil fortíssimo na época?
O Polo Têxtil de Americana, infelizmente foi muito prejudicado pela China e pela Coréia. Muito tecido asiático, de baixa qualidade, 100% poliéster, as fábricas maravilhosas que tínhamos lá foram fechando as portas. Não sei como está o polo têxtil de Americana. Foi um período onde sempre buscávamos a troca de informações, estarmos atualizados. Participei de vários congressos técnicos: em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Guarujá, Natal. Tínhamos a necessidade de sabermos a respeito do mundo têxtil.

Nesse momento você está em Toronto, qual é a temperatura ambiente?
Como estamos entrando no verão, a temperatura é de 16 graus positivos. Durante o inverno temos temperaturas de 20, 30, 40 graus negativos. A temperatura mais fria que peguei foi de 20 graus negativos, com roupa adequada é possível andar pelas ruas. Calçados apropriados. Os veículos passam e espirram uma mistura de neve derretida.

O que a levou para o Canadá?
Eu tenho uma amiga e nós frequentávamos a Igreja Bom Jesus em Piracicaba. Ela veio para o Canadá. É uma pessoa que já tem experiência em viver fora do Brasil. Desde os meus 15 anos sonhei em conhecer outro país, realizei meu sonho com alguns anos a mais. Por ser muito sensível ao frio, o Canadá estava fora dos meus planos.

O idioma que você fala é o inglês?
É o inglês! Em 2018, vim para cá fiquei por cinco meses, depois voltei no ano passado, em 2019, fiquei mais cinco meses. Este ano voltei novamente. No Brasil estava desempregada, minha amiga disse-me: “Eliane, vem para cá que é fácil arrumar trabalho!”. Sou eternamente grata a essa minha amiga Geane Silva. Em 2018 foi a primeira vez que vim para cá, no início foi bastante difícil, me senti insegura, o medo do novo assusta as pessoas. A Geane já estava enturmada, frequentando escola. Teve um dia em que ela deixou de ir para a escola para ir trabalhar comigo.

Que tipo de trabalho vocês realizavam?
Trabalhava na limpeza, de casas, escritórios, prédios. Trabalhei com pintura.

Este ano de 2020 você chegou em que dia no Canada?
Cheguei dia 28 de fevereiro. A pandemia invadiu o Canada também! Tivemos um super lockdown, (bloqueio total ou confinamento, é um protocolo de isolamento). Parou tudo, fechou tudo, Era tudo on-line (conectado por internet) ou por telefone. Você pode fazer o seu pedido pelo celular, a pessoa anota, através do seu cartão de crédito efetua o pagamento, você vai até a porta da loja, com o número da sua compra e o seu pedido estará pronto para ser retirado na porta da loja. É tudo muito bem organizado. É possível pedir tudo que for necessário por delivery, a pessoa entrega em sua porta, É um sistema que funciona sem falhas. No dia, hora, marcados irá chegar o seu pedido.

Toronto é uma cidade bonita?
É a capital financeira do Canada. É muito bonita. O que existe é uma gama muito grande de mistura de raças, muitos judeus, muitos talianos, muitos portugueses, há cerca de 500 mil portugueses, um número maior de italianos, há iranianos, asiáticos fervilham. Indianos são muitos. Africanos e jamaicanos formam grandes comunidades. Há os muçulmanos. Nessa grande mistura, ainda o país é seguro, não tanto como era antes. È impressionante o ritmo da construção civil. Um verdadeiro canteiro de obras toma a cidade. A construção civil não parou durante a pandemia. Novas rodovias, melhorias em estações de metro, as próprias calçadas. A cidade não para!

Tem favelas?
Pelo menos nunca vi. O que existe são casas mal cuidadas, pessoas que são acumuladoras de tudo. É interessante que a cidade induz você a consumir, até mesmo sem necessidade. Com isso as pessoas doam muitas coisas. Você passa nas calçadas em frente as casas tem roupas, sapatos, eletrodomésticos. Colchão, cama, você pode pegar e levar, eles colocam na rua para doação. Em 2018 quando vim para cá, eu e a Geane mudamos de casa, montamos a nossa casa nova, inteira, com doação. Até panelas ganhamos de doação. Tudo em perfeito estado. Existe um consumismo alto, as pessoas são levadas consumir. Aqui se ganha por hora, não se ganha por mês, o mínimo estabelecido estava em 14 dólares canadenses por hora. Tudo que você comprar aqui é o preço da prateleira mais 13% no caixa. É uma cidade cara. Só que se você for ao supermercado, com 200 dólares você coloca muita coisa no seu carrinho. Em média o dólar canadense está de 3,6 a 3,8 reais por um dólar.

E saúde como funciona? Você tem assistência como nós temos o SUS aqui ou tem que pagar tudo?
Você tem que pagar tudo! Existem clínicas, que você pode entrar, passa por uma consulta que custa 70 dólares. “É o médico de família”. Ele vai fazer um exame, e dependendo do seu relato ele irá pedir exames, que você irá pagar ou vai encaminhá-lo para um médico especialista. Você não consegue ir direto ao especialista. As pessoas que estão morando aqui, há muitos anos, reclamam muito da saúde aqui! Questionam muito o tratamento médico. Tenho amigos que preferem o tratamento médico de Portugal, que reputam como excelente. Graças a Deus nunca precisei de nada, a única coisa que usei foi a Clínica da Mulher, que é gratuita. Fui bem atendida.

Como está a Covid-19 em Toronto?
Aqui em Toronto, agora está estabilizada. Porém as pessoas estão inseguras. Eu também procurei me resguardar, sem plano de saúde, é muito caro para você ir para o hospital. E entrou, pagou. Tenho o relato de pessoas que precisaram ir para o hospital e pagaram de 50.000 dólares para cima! Sempre que precisei sair usei máscara, luvas, mantendo distância das pessoas. Faz três semanas que as coisas começaram a reabrir, com controle de entrada, uso de máscara, álcool com gel na entrada. Todos os carrinhos de supermercado recebem um banho de spray. Tem fila para você entrar no supermercado. Sai “x” pessoas entra “x” pessoas. Os restaurantes ainda não estão abertos. Só pode ir pegar e sair. Faz o seu pedido, pode esperar dentro do restaurante, com demarcações no chão.

Você está pensando em voltar para o Brasil?
Não estou pensando, tenho a certeza absoluta! Nesse tempo de pandemia, tive uma introspecção intensa comigo. Dei valor para as coisas que achava que não tinham valores e deixei de dar valor para as coisas que não têm valores. A minha família é de enorme valor para mim. No auge da pandemia, eu ligava para a casa dos meus pais, eles choravam, eu chorava e pensava: “Meu Deus o que eu estou fazendo aqui nessa geladeira!”. Sem avião para voltar para casa. Percebi que este lugar não me pertence, não tem nada a ver comigo. Ganha-se dinheiro, desde que você trabalhe, porque se você não trabalhar, você gasta dinheiro. Nesse aspecto a pandemia fez com que eu me visse interiormente. Nesse período chorei mais do que chorei a minha vida inteira. Percebi que de repente estava cercada de pessoas diferentes de mim.

Mas isso com relação aos canadenses?
Os canadenses não! Eles estão em suas mansões, em bairros ricos. Aqui há um grande número de imigrantes de toda parte do mundo, com hábitos e costumes muito diferentes dos nossos. Limpei casas que jamais pude imaginar que existissem. Sabe o que é uma crosta preta dentro de uma geladeira? Derrubou todo tipo de molho, queijo derretido, derrubou bebida, leite, caiu cebola. Tinha que colocar um produto para começar a dissolver a coisa inteira. Usava um produto extremamente forte sobre o fogão inteiro. Eu pensava: “Vou ser contaminada aqui dentro”, isso antes da pandemia. A sujeira é inimaginável. Imagino que as pessoas deixam chegar no limite e compram um fogão, uma geladeira novos. Você trabalha como louco, mas tem o poder aquisitivo para comprar. Toronto é uma máquina de ganhar dinheiro e é uma máquina de consumo.

A questão de falta de mercado de trabalho no Brasil pesou na sua decisão em ir para o Canadá?
O mercado de trabalho no Brasil tornou-se escasso. Além da minha faculdade tenho dois MBA, fiz um de Gestão de qualidade no Instituto de Aperfeiçoamento Tecnologico – IAT e fiz um de Administração pela Faculdade Getúlio Vargas, na ACIPI. Fui por três anos assessora de uma professora da ESALQ, realizei vários simpósios, fiz um simpósio internacional, em São Paulo, com tradução simultânea, consegui oito patrocínios de empresas.

Quando você volta ao Brasil?
Meu voo está marcado para 5 de agosto. Tem um voo de repatriação, que pode ser que aconteça daqui a duas semanas, só que há mais pessoas do que lugares, Meu pai sempre disse: “Você tem dois pés, porque precisa de 100 pares de sapato?” Eu dizia: “ Pai eu amo sapatos!”. Hoje percebo que dou valor a outras coisas! Aqui, no Canada não importa qual é a profissão ou o nível de estudo da pessoa, não existe discriminação como no Brasil. Todos são trabalhadores, independente da importância do cargo ou função. São tratados da mesma forma.

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