Pandemia e a CLT

A pandemia do coronavírus-19, por sua escalada vertiginosa, impôs à economia retração excepcional, forçando empresas a demitir e a diminuir o número de empregados, extinguindo contratos de trabalho, com aumento inevitável do desemprego, algumas chegando ao fechamento puro e simples.

Cabe perguntar: prevê a CLT dispositivos aplicáveis ao atual cenário? A resposta é afirmativa, tendo-se em conta os artigos 486, 502, II e 503, da CLT.

Face a essas disposições celetistas, teria cabimento a figura do “factum principis” (fato do príncipe), quando da extinção dos contratos de trabalho decorrentes da pandemia?

O “fato do príncipe” ocorre quando a atividade da empresa é penalizada temporária ou definitivamente, em decorrência de ato governamental, hipótese em que parcelas das obrigações trabalhistas rescisórias transferem-se para o ente estatal responsável, na dicção do artigo 486 da CLT.

O ato estatal, que permite imputar a responsabilidade de pagamento de verba trabalhista, deve ser imprevisível. O caráter pandêmico da covid-19 e a calamidade pública (Dec. Legislativo nº 6, 2020), ocasionaram dano anormal e específico a pessoas certas e determinadas (empregador), violando o princípio da isonomia. Os ônus sociais foram distribuídos entre todos, em maior ou menor grau.

Quanto às empresas que encerraram suas atividades, decorrentes do cenário econômico devastador, salvo melhor juízo, pode-e pensar em aplicar a regra do artigo 486 da CLT, já que o motivo da paralisação decorreu de ato de autoridade pública.

Já o artigo 502, II, da CLT, admite a hipótese do “fato do príncipe” abrangendo todo acontecimento inevitável e contrário à vontade do empregador, caso em que seriam devidas verbas rescisórias pela metade.

Cabe lembrar que, em juízo, a alegação do “fato do príncipe” aplica-se, exclusivamente, ao empregador, que teve sua atividade paralisada, nunca ao reclamante, como ocorre às vezes, equivocadamente. Se o juiz do trabalho reconhecer o “factum principis”, o ente público passa a integrar o polo passivo da reclamação.

Não há que se falar em “factum principis”, quando a ação do poder público visa a resguardar interesse maior da população, atingida pelo inadimplemento da empresa.

As medidas governamentais tiveram intuito de conter o alastramento e disseminação do novo covid-19, em relação às pessoas físicas e jurídicas, todas afetadas em maior ou menor grau.

O “fato do príncipe” é espécie do gênero força maior o que, no direito do trabalho, implica todo acontecimento inevitável e oposto à vontade do empregador, que não concorreu, direta ou indiretamente, para agravar a situação econômico-financeira da empresa.

Para que o empregador possa invocar o artigo 486, da CLT, deve comprovar que o motivo da paralisação das atividades decorreu, exclusivamente, de ato de autoridade pública. Feita essa prova, transferirá ao ente público o pagamento das indenizações previstas no artigo 502, II, da CLT.

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Frederico Alberto Blaauw é mestre em Direito Comercial, advogado e consultor de empresas, professor de Direito Empresarial.

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