In memoriam de Marcelo Bogaciovas (1952-2020)

Falei no meu último artigo do lançamento, em 1989, de “A Legitimidade Monárquica no Brasil”, numa concorrida sessão para cuja realização Marcelo colaborou ativamente, secundando o então Presidente do Instituto Genealógico Brasileiro, Dr. Augusto Trigueirinho. Este se encontrava, na ocasião, gravemente enfermo, lutando contra um câncer que o vitimaria um mês depois.

Logo a seguir, tive o privilégio de trabalhar, com Marcelo, na preparação de um alentado volume de 740 páginas, intitulado “Edição Comemorativa do Cinquentenário do Instituto Genealógico Brasileiro (1939-1989)”, com artigos de 40 colaboradores. Foi uma obra de gestação lenta e laboriosa, que consumiu quase dois anos de trabalho intenso de Marcelo, vindo afinal a lume em 1991. Marcelo foi o grande organizador e a alma propulsora do empreendimento, cuidando de tudo, absolutamente tudo, desde o difícil e trabalhoso contato com os 40 colaboradores (residentes em pontos diversos do território brasileiro, o que exigiu prolongados telefonemas interurbanos e interestaduais, que na época eram muito caros e Marcelo pagou do próprio bolso), até a diagramação final, que ele mesmo fez nos primitivos processadores de texto que, então, já começavam a ser usados. Marcelo publicou, nessa obra coletiva, cinco estudos originais de grande envergadura, sobre as famílias Campos, Rocha Pimentel, Medella, Amaral Gurgel e Mello (de Itu). Modestamente, colocou esse admirável conjunto de artigos no final do volume (pgs. 603-736), e de modo muito amável, fez questão de que eu abrisse o volume com dois estudos meus, “Apontamentos para a história do IGB” (pgs.9-89) e “O Almanach de Gotha e a Casa Imperial do Brasil” (pgs. 91-130).

Foi assim que Marcelo deu início à divulgação de suas pesquisas. Nos anos seguintes, publicaria mais quatro dezenas de estudos memoráveis, divulgados quase todos na “Revista da ASBRAP”, que dirigiu e animou durante mais de 25 anos.

Falar na ASBRAP (Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia) é falar de Marcelo. Foi ele que planejou e fundou, em 1993,essa valorosa entidade, na qual congregou antigos sócios do IGB que desejavam desenvolver trabalhos histórico-genealógicos com metodologia científica. Sempre cavalheiro educadíssimo, Marcelo tomou todos os cuidados para que a nova fundação não parecesse uma dissidência do antigo IGB, mas uma derivação natural dele. Infelizmente, com o afastamento de Marcelo e dos estudiosos que fundaram e sustentaram a ASBRAP, o IGB entrou em fase de definhamento e acabou cerrando suas portas. Lembro-me bem da fundação da ASBRAP, realizada no salão nobre do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que Marcelo e eu frequentávamos havia muito tempo, e no qual nós dois deveríamos ingressar no ano seguinte.

Já com mais de 40 anos de idade, Marcelo resolveu cursar uma nova faculdade. Era cultíssimo e conhecia, como poucos, a História do Brasil e de São Paulo, mas quis se graduar em História, na USP. Logo a seguir ingressou no programa de mestrado, sob orientação da Profa. Anita Novinski, obtendo o título de Mestre em História Social em 2006, com dissertação intitulada “Tribulação do povo de Israel na São Paulo Colonial”. Mais tarde, editou em forma de livro essa dissertação, e teve a gentileza de fazer nela um agradecimento imerecido a minha pessoa. Na verdade, apenas conversamos muito sobre o tema, mas não tive participação alguma no trabalho que desenvolveu.

Trabalhamos juntos, depois, no projeto de edição do livro “Dicionário de Piracicabanos Ilustres”, do nosso saudosíssimo amigo comum Prof. Samuel Pfromm Netto. Foi um trabalho lento que somente muito depois do falecimento do autor, em 2013, se tornou realidade, graças ao empenho do nosso amigo Vitor Vencovsky, então Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e hoje da Academia Piracicabana de Letras.

O último projeto que tínhamos em mente era a organização de um Curso de Especialização em Genealogia e História Familiar, em nível de pós-graduação lato sensu. Seria um curso no sistema de EAD, com 6 ou 8 disciplinas básicas, ministradas ao longo de um ano, seguindo-se mais 6 meses para elaboração, apresentação e defesa de uma monografia. O único requisito para o ingresso nessa pós-graduação seria que o candidato já tivesse concluído algum curso superior em qualquer área. Já tínhamos todo o projeto delineado e cheguei a iniciar tratativas com duas universidades privadas. Espero que o novo presidente da ASBRAP, Carlos Alberto da Silveira Isoldi Filho, que está vivamente empenhado na perpetuação do imenso legado que nos deixou Marcelo, possa realizar esse sonho que Marcelo e eu tanto tempo cultivamos. Afinal, como cantou Fernando Pessoa, “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”.

Uma última curiosidade sobre Marcelo: ele prezava tanto suas origens paulistanas que quis ser compadre de São José de Anchieta! Quando seus filhos foram batizados, na capela do Pátio do Colégio, pelo saudoso Pe. Hélio Abranches Viotti, fez questão de que o padrinho fosse o Padre José de Anchieta! E assim foi.

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

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