Coronavírus e a encruzilhada civilizacional

Adelino Francisco de Oliveira

Para além de uma crise sanitária gravíssima, a pandemia do novo coronavírus tem escancarado o profundo caos que é o próprio sistema capitalista. Toda a dinâmica de exploração e opressão, em uma estrutura perversa de imensa desigualdade, que era meticulosamente velada, mediante a articulação de artimanhas ideológicas, tem ficado cada vez mais evidente. A política neoliberal, de regressão de direitos e rebaixamento das condições objetivas de vida, somente traz benefícios ao mercado.
O coronavírus, definitivamente, colocou a civilização em uma delicada encruzilhada. O dilema entre a bolsa e a vida nunca foi tão explícito. Há uma contradição, de fundo ético, que se revela inconciliável. Escolher a bolsa significa abandonar milhares de pessoas à morte. Mas para os capitalistas empedernidos esta questão não aparece como um problema, e isso é bem triste e também inaceitável.
O gesto de isolamento social deve ser compreendido como uma postura de profunda solidariedade. Em decorrência da inexistência de uma vacina para o vírus e com a realidade do esgotamento do sistema de saúde, a melhor medida possível consiste em bloquear o ciclo de contágios. Ficar em casa, mantendo restrito contato social unicamente com o núcleo familiar, pode representar uma atitude de auto preservação, mas também uma iniciativa de cuidado e amor para com o próximo.
E aqui está o ponto da encruzilhada civilizacional. Este conflito que parece simples, contempla a essência de uma realidade que talvez tenha chegado ao seu limite. A forte pressão de setores da economia para que o isolamento social seja interrompido, sem esperar a passagem do pico de contágio, retornando à certa normalidade de negócios, revela uma perversa lógica histórica, na qual a bolsa continua se sobrepondo à vida. É o conflito entre a civilização e a barbárie.
Mas este é um falso dilema, pois só há uma escolha ética a ser feita. A vida deve estar sempre em primeiro plano. É preciso que os princípios civilizacionais prevaleçam e se imponham, em detrimento da bolsa, do deus mercado.
Na dinâmica do processo de enfrentamento ao coronavírus, uma nova ordem mundial deve paulatinamente ser edificada. As escolhas éticas realizadas agora, no calor dos acontecimentos, na luta por proteger e preservar vidas, já devem contemplar as sementes da transformação social. O reconhecimento social da importância do Sistema Único de Saúde (SUS) e as ações implementadas com o intuito de fortalecê-lo se configuram, desde já, como um primeiro passo fundamental em direção a uma nova concepção de sociedade, suplantando e enterrando as ideologias que defendem um Estado mínimo.
As sociedades pós-coronavírus ou terão a solidariedade como base ou não serão nada. Uma solidariedade que começa a se expressar aqui e agora, na atenção cuidadosa às exigências do isolamento social. Mas também uma solidariedade que avança como fundamento para uma nova ordem estrutural, definindo ações nos campos da política e da econômica. Logo, uma sociedade na qual a vida prevalece sobre a bolsa.
São muitas as dores e com elas as duras lições impingidas pela pandemia do coronavírus. Uma nova sociabilidade deve emergir, renovando profundamente as relações interpessoais e com a própria natureza. É preciso avançar para uma sociedade economicamente justa e ecologicamente sustentável. É o tempo da transição ecológica, pautando um novo modelo de desenvolvimento, no qual a vida humana e a preservação ambiental sejam compreendidas como dimensões inseparáveis, que se integram na complexidade dos vínculos entre humanidade e planeta terra.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]

 

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