Unicamp: sistema computacional para os ventiladores pulmonares

A pandemia do coronavírus e a necessidade de atendimento rápido a pacientes diagnosticados com a Covid-19 provocou uma corrida de hospitais e sistemas de saúde de todo o mundo por ventiladores pulmonares. Os equipamentos são utilizados quando o organismo dos pacientes não consegue promover uma respiração que supra a quantidade necessária de oxigênio. Nesses casos, as máquinas fazem o trabalho que o corpo, dentro de um quadro provocado pela doença, não consegue realizar sozinho.
“A ventilação mecânica não é um assunto de sete cabeças, mas é relativamente complexa, porque envolve várias particularidades”, afirma Thiago Martins, médico chefe da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Ele explica que os equipamentos podem operar controlando o volume de ar que é liberado nos pulmões ou a pressão com que ele entra. Além disso, é possível identificar se o organismo do paciente também tem condições de participar da respiração. A forma com que os pulmões reagem aos ventiladores fornece aos médicos dados que indicam o comportamento de doenças, além de sinais de recuperação. O uso inadequado pode trazer problemas como o baixo nível de oxigênio no sangue ou até os barotraumas, lesões causadas pela alteração de pressão nos pulmões.
O trabalho de acompanhar todas essas variáveis torna-se mais complicado em um cenário que exige o atendimento de um grande número de pacientes, muitas vezes executado por médicos realocados ou voluntários, que não realizavam esses procedimentos em sua rotina diária. Pensando em facilitar essas ações e também contribuir com indústrias que adaptaram suas linhas de produção para fabricar ventiladores pulmonares, pesquisadores da Unicamp desenvolveram uma modelagem matemática capaz de simular a forma com que o ar liberado por ventiladores pode se comportar nos pulmões dos pacientes. Isso seria possível por meio dos recursos da fluidodinâmica computacional, que traduz para a forma digital o comportamento de gases e líquidos. O projeto faz parte de uma série de iniciativas divulgadas na plataforma da Força-Tarefa Unicamp contra a Covid-19.
A ideia partiu de Sávio Vianna, professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, que trabalha com sistemas de modelagem computacional. Ele conta que pensou nessa possibilidade a partir de conversas com amigos da área médica que relataram a ele os desafios de lidar com diferentes situações no uso de ventiladores pulmonares. A partir disso, pensou em criar um sistema que possa mostrar aos médicos como cada equipamento pode se comportar nos pacientes.
“Um cenário possível é de que um médico seja o chefe da ala de um hospital de campanha que utilize respiradores. Todo mundo opera com um determinado tipo de equipamento e os médicos da equipe começam a reportar que estão surgindo problemas com os pacientes, seja por saturação de oxigênio, seja por barotraumas. Em uma situação dessas, o médico pode entrar em contato com a Unicamp, explicar que há respiradores causando problemas nos pacientes e pedir para fazer uma simulação. A gente consegue fazer a simulação, gerar um laudo e enviar. Aí ele pode identificar a causa do problema e corrigi-la”, relata Sávio.
O software gera imagens em que são simulados fatores como a velocidade e a pressão do ar liberado por um ventilador nos pulmões, indicando as áreas da estrutura pulmonar onde há maior ou menor pressão, por exemplo. “Eu tenho na imagem uma zona avermelhada. Isso indica uma pressão entre 4 Pa e 5 Pa (Pascal, unidade de pressão). Isso é aceitável? Não sei, mas o médico sabe, ele pode falar se isso pode causar problemas ou não”, demonstra o professor. Inicialmente, o projeto gerava imagens em modelos simplificados dos pulmões. No entanto, a partir de uma colaboração com universidades do exterior, foi possível produzir simulações a partir de imagens de tomografias, tornando-as mais próximas da realidade.
montagem mostra quatro imagens que reproduzem as condições da estrutura pulmonar, as duas de cima são mais simplificadas e as de baixo são reproduções de tomografias
Imagens geradas pelo simulador elaborado pelo projeto. As cores indicam em quais regiões do pulmão haverá maior concentração de velocidade ou de pressão do ar vindo dos ventiladores. As duas primeiras imagens são mais simples, as duas de baixo já são as que utilizam imagens feitas de tomografias
Além da geração de imagens, o projeto permite ainda a produção de outros modelos que possam auxiliar também na previsão de como os ventiladores vão se comportar. Sávio menciona a possibilidade de conectar o software a impressoras 3D e, utilizando materiais flexíveis, imprimir uma estrutura pulmonar e conectá-la ao ventilador, verificando o funcionamento de forma ainda mais exata.
O professor comenta que o projeto não tem a finalidade apenas de facilitar o trabalho de médicos e profissionais da saúde. Devido à grande demanda pelos equipamentos e o aumento no número de empresas que se dedicam à sua produção, ele acredita que o sistema deva contribuir também com o trabalho nas indústrias. “Criamos um procedimento de engenharia simples para que qualquer engenheiro possa trabalhar. Disponibilizando isso, a geometria e o set up mais ou menos prontos, para que, se houver uma grande demanda, mais pessoas estejam aptas a ajudar na produção de respiradores. Com isso, poderemos então estender o projeto para o país inteiro e em software aberto, sem custo de licenças”, explica Sávio.
Para os profissionais que estão na linha de frente no combate ao coronavírus, modelos desse tipo podem trazer grandes contribuições para a tomada de decisões rápidas. Thiago Martins acredita que os sistemas podem ser aperfeiçoados até o ponto de simular as condições de um pulmão doente. “As forças que regem a dinâmica respiratória podem ser simuladas. Se você considerar a resistência pulmonar, resistência de vias aéreas, complacência pulmonar, quantidade de ar que entra a cada ciclo respiratório, quantidade de oxigênio dissolvido no ar, entre outros parâmetros, e criar um modelo matemático que consiga simular todas essas variáveis, você consegue algo bem próximo do real”, avalia o médico.

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