Quarentena vertical ou horizontal?

Almir Pazzianotto Pinto

Como acontece diante de moléstia contagiosa, a primeira providência consiste em se resguardar. Sou idoso. Venho de família simples do interior paulista. Sobrevivi em época de elevada taxa de mortalidade infantil. O cemitério de Capivari abriga numerosos túmulos de crianças, desgastados pelo tempo. Nas velhas lápides ainda é possível ler o nome, a idade, a dorida mensagem de despedida gravada pelos pais.
Uma das causas mais comuns da morte era o crupe, responsável por aguda obstrução da laringe, provocada por infecção. A tuberculose fazia vítimas, sobretudo entre adultos. Rodrigues de Abreu, notável poeta capivariano, autor de A Casa Destelhada. Inocência, A Sala dos Passos Perdidos, faleceu abatido pela cruel moléstia aos 31 anos de idade. A inexistência de antibióticos contribuía para o agravamento de leve ferimento ou doença. Simples apendicite bastava para levar o paciente à morte. O temor à varíola, também conhecida como varicela ou catapora, causava pânico. Quem sobrevivesse conservaria, pelo resto da vida, marcas deixadas no rosto. A primeira pandemia registrada no século passado ficou conhecida como “gripe espanhola”. Responde por 33 milhões de óbitos. Recordo-me do meu pai Ulysses, nascido em 1908, fotógrafo conhecido na região, contando-me episódios que assistiu, quando menino, da falta de caixões e de sepulturas.
O coronavírus apanhou a humanidade de surpresa. A partir da Ásia se espalhou pela Europa. Está na África e nas três Américas. Infectologistas de todo o mundo se unem em corrente de solidariedade à procura de vacina. Enquanto não é encontrada, médicos e enfermeiros são incansáveis para impedir que a virose continue a se propagar e matar. Sou advogado. Confesso, sem rubor, ignorar assuntos de saúde. Não tomo aspirina sem receita médica. Com 84 anos mantenho boa saúde, e espero viver mais dez.
Há três semanas permaneço isolado no apartamento, atento às notícias. De longe observo o Presidente da República, Jair Bolsonaro, entrar em conflito com o insubstituível Ministro da Saúde. Para o Dr. Luiz Henrique Mandetta, à falta de vacina a quarentena é a única barreira para deter e fazer refluir a pandemia. Em sentido contrário, sustenta o presidente que a economia não pode parar. Para Sua Excelência não basta assegurar as atividades inadiáveis e essenciais; a vida social, a indústria, o comércio, o turismo, as disputas desportivas e as diversões públicas devem seguir o seu curso, independente do número de baixas que vierem a provocar.
O presidente Jair Bolsonaro é capitão de infantaria. Cursou escola de paraquedismo. Foi treinado para o combate corpo-a-corpo. Aprendeu a comandar soldados, cabos e sargentos. Não admite recusa e ignora a arte mineira do silêncio e da tranquila persuasão.
A pandemia será derrotada. Acredito no Ministro Mandetta, e não deixo de me resguardar. Voltando a vida à normalidade, as prioridades serão a economia e o mercado de trabalho. Imagino que o Ministro Paulo Guedes já se debruça diante de questões do planejamento. O ano de 2020 encerrará mais uma década perdida. Com a pressa dos retardatários, o Brasil necessita se reencontrar com a rota do crescimento. Como pré-requisito, o presidente Bolsonaro abdicará da belicosidade e governará em harmonia com os ministros, o Poder Legislativo, a imprensa, a opinião pública. É o que dele cobram as pessoas que o elegeram.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), autor de vários livros

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