A situação do câncer no Brasil

André Deeke Sasse

 

O câncer é a segunda causa de morte na população adulta no Brasil. E vem se tornando cada vez mais importante. O número de óbitos por conta do câncer aumentou mais de 30% em 15 anos, sendo os diversos tipos de câncer os responsáveis pela morte de uma em cada seis pessoas.

Segundo dados do Ministério da Saúde de 2019, o tipo de câncer mais comum é o de pele, responsável por 33% de todos os casos. Excluindo-os, os mais frequentes são o câncer de próstata, em homens, e o de mama, em mulheres. Mas também são muito comuns os cânceres de pulmão, intestino, estômago, faringe e colo do útero. Já os tipos de câncer que mais matam são o de mama, em mulheres, e o de pulmão, em homens.

Chama a atenção a importância de tumores que podem ser detectados precocemente, por meio de rastreamento populacional, e mesmo preveníveis, com tratamento de lesões pré-tumorais. No Brasil ainda são feitos diagnósticos tardios, em estádios mais avançados. E também causa preocupação a frequência de tumores associados às causas evitáveis, como o câncer de pulmão, associado ao tabagismo, e o câncer de colo uterino, causado pelo vírus HPV, sexualmente transmitido.

Muitos avanços foram conquistados no desenvolvimento de novas drogas, especialmente para o tratamento da doença metastática, que já se espalhou para outros órgãos. Nesses casos, apesar de ainda ser incurável na maioria das vezes, novos tratamentos têm proporcionado ganho de expectativa de vida, com menos sintomas, menos efeitos colaterais e melhor qualidade de vida também. Nos últimos anos, o Brasil ganhou alguma eficiência, e tem sido rápido na aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de novos medicamentos, quase simultaneamente à aprovação de agências regulatórias europeias e o FDA, nos Estados Unidos. Nosso grande problema tem sido proporcionar o real acesso dessas novas tecnologias à população doente.

Os preços desses medicamentos, chamados antineoplásicos, está subindo vertiginosamente. É inviável adquirir esses medicamentos na farmácia comum. E a população depende do fornecimento pelos planos de saúde (alguns) e do Sistema Único de Saúde (a maioria). No entanto, os custos elevados tornam difícil o fornecimento de todas as tecnologias disponíveis. Por exemplo, estima-se que os gastos de um plano de saúde com tratamentos contra o câncer consumam entre R$10 e R$50 de cada mensalidade paga por cada usuário, criança, jovem ou adulto.

No SUS, a situação fica ainda mais preocupante. As tabelas fixadas pelo Ministério da Saúde para ressarcir os hospitais públicos, filantrópicos ou credenciados estão sem reajuste há mais de 10 anos. Foram criadas regras para incorporação de novas tecnologias no SUS. Atualmente, depois que um novo medicamento é aprovado pela Anvisa, é necessária uma avaliação formal para sua incorporação no SUS. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) é a responsável por essa avaliação. Mas, nos últimos anos, tivemos incorporações pontuais e estamos muito longe de oferecermos o mínimo aceitável à população.

Um dos caminhos propostos seria o de investir mais em diagnósticos precoces, e mais ainda na prevenção. Exames de rastreamento, vacinação da população contra vírus associados ao câncer, campanhas de educação de vida saudável, com estímulo às atividades físicas e combate ao tabagismo são estratégias que funcionam, mas em longo prazo.

Uma reorganização do sistema de saúde é estritamente necessária. E, mais ainda, uma participação da sociedade na precificação dos novos medicamentos. Hoje, a saída sugerida tem sido aproximar médicos, hospitais, clínicas e fontes pagadoras, para tentar encontrar o melhor tratamento que se encaixe nos recursos disponíveis e, assim, manter o sistema de saúde sustentável, pagável.

Celebramos toda a tecnologia, a imunoterapia, as terapias-alvo, a cirurgia robótica e as novas técnicas de radioterapia. O câncer tem sido cada vem mais controlável. Resta encontrarmos uma solução para pagar por tudo isso. No Brasil e no mundo.

 

André Deeke Sasse, oncologista, professor de pós-graduação na FCM-Unicamp, membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC)

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