Pedágios, Direitos e Cidadania

Adelino Francisco de Oliveira

 

No contexto das sociedades medievais, no período do feudalismo, existia uma carga pesada de tributos. Para tudo na vida, particularmente para os servos e camponeses, havia uma taxa a ser paga: Talha, Corveia, Capitação, Banalidade, Mão-morta, Tostão de Pedro entre outras. Sem a noção de direitos e cidadania, as obrigações serviam, via de regra, para manter o lugar social dos estamentos superiores. O senhor feudal tinha sua sobrevivência garantida graças aos tributos que recebia.

Uma estrada e mesmo uma ponte representavam um feudo, e a circulação por elas exigia, por parte do transeunte, o desembolsar de taxas em benefício do senhor feudal. Um viajante que não tivesse recursos para pagar o tributo não poderia utilizar a estrada nem cruzar um rio, sendo impedido de utilizar de uma determinada ponte. É evidente que no período medieval não se tinha a noção de coisa pública, o feudo era uma propriedade por direito do senhor feudal.

É interessante retomar a memória histórica para se compreender melhor o princípio contemporâneo de bem público. No Estado Moderno, a aplicação dos impostos deve atender e contemplar o princípio da transparência e da impessoalidade, ou seja, tudo o que se paga deve almejar sempre a realização do bem público, pensando a oferta de serviços universais que promovam pessoas e a cidadania. No Brasil, estes preceitos estão presentes em nossa Constituição Cidadã de 1988.

A história avança e não mais nos encontramos diante de obrigações feudais. A noção de República (coisa pública) pressupõe exatamente a construção de uma sociedade pautado no reconhecimento do direito dos cidadãos. O Estado passa a existir para garantir, de maneira universal, os direitos fundamentais de cidadania. O bem coletivo deve sempre se sobrepor a qualquer interesse individual. É apenas na perspectiva de se promover a equidade, mantendo o equilíbrio social, que se justifica a cobrança de qualquer tributo, que deve, impreterivelmente, retornar à sociedade em forma de serviços públicos.

Em sociedades democráticas, a cobrança de um pedágio ou de um novo imposto somente pode ser implementada quando for decorrente de um pacto firmado entre o conjunto dos cidadãos, plenamente convencidos de sua importância social. A consulta pública, por meio de um plebiscito, buscando a aprovação consensual dos cidadãos diretamente afetados pelo tributo que se quer implantar, além de fortalecer a cidadania política seria um caminho democrático para se equacionar as tensões. Sem um amplo e profundo debate com a sociedade, a imposição arbitrária de um novo imposto, sendo medida autoritária, pode significar a violação de direitos constitucionais.

É fundamental se compreender, à luz dos direitos de cidadania, a aplicação de tarifas e de pedágios para a circulação em vias públicas e nas estradas. O ponto central para a existência de qualquer tributo deve ser sempre a perspectiva e o interesse coletivo e da sociedade. Sendo as estradas de propriedade do Estado, portanto, de todas as pessoas, visando a circulação do cidadão, seu acesso seguro, garantindo o direito de ir e vir, a cobrança ou não do pedágio deverá ter como referência o ideal do bem público. Na hipótese de cobrança de taxas, para não onerar pesadamente os cidadãos, os valores praticados deverão ser subsidiados, mesmo porque, na esfera do serviço público, sob a ação do Estado, não se deve projetar a perspectiva do lucro. O que se pauta neste caso é a necessidade de se contemplar o direito inviolável dos cidadãos, reforçando o princípio básico do direito à cidade.

 

Adelino Francisco de Oliveira, Doutor em Filosofia. Mestre em Ciências da Religião; Professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; [email protected]

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