A indiferença como tragédia

Cecílio Elias Netto

 

Se a vida é mesmo um drama, ela há que comportar a comédia e a tragédia. E, na maioria das vezes, penso eu, a tragicomédia. Para os gregos, a tragédia levava, sempre, a um final infeliz, amargo. E a comédia, digamos que risos, farsas, sátiras.

Nesse drama – que é o nosso cotidiano – ri-se da miséria e da tristeza, chora-se de alegria, amargura-se com a riqueza e a própria paz traz cansaço. A grande ameaça, no entanto, está na indiferença. Ela é destruidora. Para o indiferente, nada importa, nada significa, não mais há distinções. É o desinteresse. E, com ele, a alienação. A indiferença, para os antigos, era “estar na aldeia e não ver as casas”. Ou, como agora, “estar no mundo e não ver os homens.” A “aldeia global”, cadê?

Até recentemente, sabia-se: o contrário do amor é a indiferença, não o ódio. Pois, diante do ódio, a pessoa existe. Frente à indiferença, a pessoa é ninguém. Isso é tão grave – se tomado em nível coletivo, social – que o Papa Francisco, há algum tempo, nos alertou contra o que ele chama de “cultura da indiferença”. No mundo ocidental, é uma pandemia. Anestesiados, quase não o percebemos.

Ciclicamente, essa tragédia imobiliza a humanidade. Já acontecera com o nazismo, naquilo que Hanna Arendt detectou como sendo a “banalidade do mal”. A indiferença coletiva a tudo banaliza. E de uma forma tão envolvente que não mais distinguimos o real do fictício. E digo-o por uma amarga e humilhante experiência pessoal.

Foi quando do ataque às Torres Gêmeas em Nova York. Um amigo telefonou-me, instando-me a ligar rapidamente o televisor. Liguei. Na tela, uma torre em chamas, um avião atingindo outra. Mudei de canal, pensando ser filme de terror. A mesma cena. E em outro. Foi quando me dei conta de aquela tragédia ser real, exibida ao vivo. Vi-me em minha condição humana: eu era, também, vítima da banalidade do mal, insensibilizado pela odiosa cultura da indiferença.

Basta-nos, apenas, uma honesta reflexão crítica para constatar o horror da indiferença. É um desafio. Passando por uma calçada, vê-se um homem caído no chão, maltrapilho. A alguns passos dele, também caída, uma nota de vinte reais. O homem socorre o outro homem ou apanha o dinheiro?

Lembro-me de quando, ainda no início do primeiro mandato de Fernando Henrique, fui – honrosamente para mim – convidado a redigir um documento em nome do Conselho de Reitores das Universidades do Brasil (CRUB). As mais expressivas personalidades do mundo acadêmico manifestavam-se, ao então presidente, em defesa do ensino e da educação nacionais. E enfatizavam seus temores e, dando sugestões, apelavam por mudanças. Não estavam indiferentes. E nem inconformados. Denunciavam que o mundo globalizado conduziria à fragmentação e ao rompimento, portanto, do universalismo. Nunca houve qualquer resposta aos acadêmicos.

A cada pronunciamento desastroso dos atuais governantes, a cada proposta ameaçadora e retrógrada, há risadas, caçoadas, uma certeza cada vez mais sólida de incompetências e ameaças democráticas. Ri-se e dá-se de ombros, como se ninguém se sentisse ameaçado. É a perda da incapacidade de indignação. E é o anúncio da tragédia, uma tragédia anunciada

Em sendo tragédia, a indiferença termina mal. O final é infeliz. Para onde iremos, se pouco nos importa se a terra é plana ou redonda? Se meninos devem, mesmo, usar apenas azul, e as meninas, rosa? Se quem deveria ser o governante máximo mediocriza tudo? Ora, se estou bem, tenho a ver o quê com os outros? Quem viver verá.

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