Memória – “De longe eu escutei o berrante”

Vila Rezende, nos áureos tempos – A Tatuzinho, que era uma fábrica de pinga

No alto; ao fundo, se vê o Colégio das Freiras e no lado oposto (à direita), temos o Seminário e entre os dois; de frente às quatro Palmeiras Imperiais, temos a nossa tão querida Igreja Matriz de Vila Rezende. Uma joia artisticamente construída no estilo neoclássico e decorada pr, nada mais nada menos, que Frei Paulo de Sorocaba, Volpi e outros nomes muito importantes da arte Piracicabana/Brasileira. Ela era composta por uma nave central maior e duas laterais. O Púlpito, os Confessionários, os Bancos, a Balaustrada e o Altar mor, foram lavrados a mão pelos escravos da Baronesa de Rezende, em madeira de Jacarandá da Bahia. Na fachada e acima da porta central que levava à nave maior e ao Altar, havia uma imagem esculpida em pedra-sabão da Imaculada Conceição e muito, muito mais. Como é notório, ela foi insanamente demolida por profissionais da construção, inescrupulosos e ignorantes do real valor desta joia arquitetônica sacra. (Marco Antônio Cavallari)

 

 

Vivaldo Pinheiro Nunes reconstrói uma Piracicaba em pleno nascimento urbano. CRÉDITO: Arquivo pessoal

 

Vivaldo Pinheiro Nunes relembra a cidade que viu crescer entre boiadas, bondes e a chegada do progresso, em entrevista com João Umberto Nassif

 

 

Em suas lembranças, Vivaldo Pinheiro Nunes reconstrói uma Piracicaba em pleno nascimento urbano, quando construções pareciam brotar da terra e o campo ainda disputava espaço com as primeiras avenidas. Ele viveu a época em que o gado desembarcava na Estação da Paulista e cruzava a cidade pela então estrada de chão batido — hoje a valorizada Rua Ulhôa Cintra. Da infância marcada pelo som do berrante ao deslizar dos bondes que cortavam o centro, Vivaldo descreve a transformação que moldou a cidade. Nesta entrevista, ele relembra como foi assistir ao fim de uma era e ao início de outra.

Vivaldo Pinheiro Nunes nasceu em Piracicaba, no dia 21 de abril de 1946. Hoje conta com 79 anos.

Nasci na Rua Ipiranga, não havia ainda a Rua Madre Cecília. Atualmente é a Rua Ipiranga esquina com a Rua Madre Cecília, a casinha está lá até hoje!

Qual era o nome dos seus pais?

Meu pai é Onofre Pinheiro Nunes e a minha mãe Matilde Sesso Pinheiro. Tiveram três filhos: Valdir, Vivaldo e Vanderlei, que é advogado.

Qual era a atividade profissional do seu pai?

Meu pai tinha um escritório de contabilidade, a Organização Nunes. Após algum tempo ele deixou a área contábil e passou a trabalhar com loteamentos.

O senhor estudou em qual escola?

O curso primário estudei no Grupo Moraes Barros, o primeiro ano do ginásio eu estudei no Colégio Piracicabano, depois mudei para o Colégio Dom Bosco, lá concluí o ginásio. Depois fiz o Curso Técnico de Contabilidade, mas não exerci a profissão, devo ter ficado uns seis meses trabalhando, mas logo percebi que não gostava.

O senhor foi trabalhar em que lugar?

Fui trabalhar como vendedor na empresa White Martins, trabalhei na

Ritec Máquinas e Ferramentas. Fiz o curso de Técnico em Transações Imobiliárias, para obter o CRECI, comecei a trabalhar por minha própria conta, como Corretor de Imóveis. Permaneci quase 30 anos nesse ramo. Aposentei-me como Corretor de Imóveis.

O senhor trabalhou em uma fase de transição de Piracicaba?

Foi um período de grandes mudanças, a cidade expandiu muito sua área residencial e comercial, criando diversos loteamentos. Isso começou ainda no tempo do meu pai, eu acompanhei-o no lançamento do Loteamento do Piracicamirim. No lançamento das vendas foi feito um churrasco em um galpão onde tinha sido uma olaria! Se eu não me engano era a Olaria dos Brossi. Depois o meu pai passou a administrar os bens do Mário Areas Wittier, mais conhecido como “Mário da Baronesa”.

Qual é o motivo desse cognome?

Ele foi praticamente um filho adotivo da Baronesa de Rezende.

O senhor chegou a conhecer a Baronesa?

Não conheci a Baronesa, conheci a mãe do Mário! Chamava-se Dona Vitalina Areas Vittier. Ela era a cozinheira da Baronesa de Resende. O Mario era criança, a Baronesa o adotou como filho. Ela deixou todos os bens para o Mário, para se ter uma ideia, praticamente metade da Vila Rezende era de propriedade da Baronesa, uma área composta por muitos bairros atuais.

A área onde é o bairro Nova Piracicaba fazia parte também?

A área onde foi feito o loteamento Nova Piracicaba foi comercializado por intermédio do meu pai, a aquisição e o loteamento foram feitos pela Companhia CiTy. (N.J. A Companhia City é a empresa fundada em 1912 com o nome de “City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited” que participou ativamente do processo urbanístico da cidade de São Paulo.  Em 1912, a empresa estabeleceu-se definitivamente na capital paulista, adquirindo mais de 15 milhões de metros quadrados no perímetro urbano da cidade, e ao longo de sua trajetória já planejou e comercializou cerca de 32 milhões de metros quadrados, consolidando-se como referência no setor de urbanismo brasileiro. Nos primeiros anos, a equipe técnica brasileira da Cia. City esteve envolvida em levantamentos e delimitação de áreas, mesmo diante de desafios como a crise financeira de 1914 e a iminência da Primeira Guerra Mundial, fatores que marcaram o início de sua atuação no Brasil. A atuação da empresa resultou na criação de bairros tombados, como o Jardim América, cujo plano original de 1919 previa 672 lotes, e cuja preservação foi consolidada pelo tombamento estadual em 1986, após mobilização de moradores preocupados com a descaracterização da paisagem urbana. As regras estabelecidas pela City influenciaram a legislação municipal e serviram de modelo para loteamentos residenciais em todo o Brasil, limitando o uso dos lotes a residências unifamiliares e impondo recuos ajardinados e arborização pública. O tombamento dos bairros “Jardins” e Pacaembu pelo Condephaat, em 1986, foi um marco na preservação da paisagem urbana de São Paulo, garantindo a manutenção das características originais desses bairros ajardinados).

Foram feitos outros loteamentos?

Sim, O meu pai fez junto com o Mário Aras Wittier o Jardim Santana, passando o Hospital dos Fornecedores de Cana, foi feito um loteamento conhecido por Doplan, lá era o bairro Nhô Quim, depois foi feito o loteamento do Jardim São Luiz, Jardim Mercedes, Jardim Wittier e Jardim Santana. Esses loteamentos situavam-se abaixo do Hospital dos Fornecedores de Cana.

O senhor chegou a conhecer o Mário Areas Wittier?

Conheci! Tinha muita amizade com ele! Apesar da nossa diferença de idade, eu tinha 14 anos e ele entre 40 a 50 anos.

Como ele era fisicamente?

Ele era um senhor alto, forte, ele tinha um hobby: gostava de pescar! Ele tinha um rancho na cidade de Coxim, em Mato Grosso do Sul (MS), uma cidade conhecida pelo Rio Taquari. Ele adquiria apetrechos para pesca em São Paulo, fazia a encomenda e quando chegava era rede, tarrafa, quando ele ia para Coxim, permanecia de 10 a 15 dias lá. Ele ia de carro, se não me engano era um Ford.

Ele era casado?

Era! A esposa dele era a Dona Mercedes. Tiveram quatro filhos. Eu ia na chácara deles desde criança. Em uma casa próxima a casa do Mário

residia um casal, eles tinham sido escravos da Baronesa e ficaram morando junto ao Mário.

O senhor lembra-se do nome deles?

Eu era uma criança, gostava de brincar, sei apenas que o homem era chamado por “Nhô” e a mulher por “Sinhá”. Eram pessoas excelentes. Lembro-me de que no fundo da chácara tinha um pomar muito bonito, e tinha uma arara que vivia no pomar, um dia entrei no pomar, vi aquela ave tão bonita, fiz o movimento de por a mão nela e tomei uma bicada! Foi o Nhô que me socorreu, a arara veio furiosa em cima de mim! Ele então me explicou: “Ela mora aqui! É daqui, ela é mansinha, só estranhou você!” Eu morria de medo, quando via a arara corria de lá!  Uma parte da nossa infância, eu e meus irmãos passamos na chácara do Mário.

O Mário era uma pessoa agradável?

Era uma pessoa muito boa, boníssima! Ele era Engenheiro Agrônomo, lembro-me de que ele trabalhava na Cooperativa dos Plantadores de Cana de Piracicaba. Essa Cooperativa que construiu o Hospital dos Plantadores de Cana. Eu trabalhei na Associação dos Fornecedores de Cana que tinha escritório na Avenida Armando de Salles Oliveira em uma esquina, se não me engano, com a Rua Riachuelo. Eu que ia fazer o pagamento dos pedreiros que estavam construindo o Hospital. Lembro-me até hoje, ia com uma bolsinha cheia de dinheiro, pegava o bonde, descia na Avenida Rui Barbosa, subia a pé em direção ao Hospital dos Plantadores, assim que chegava lá era recebido pelo “Seu Zé”, que era o empreiteiro, um português muito bravo! Eu ficava no escritorinho dele, ele ia chamando os pedreiros um por um, cada pedreiro tinha o seu envelope com o dinheiro, ia pagando, uns assinavam, outros colocavam a digital, por não saber escrever. Eu permanecia ali com ele, posso dizer que participei um pouco da construção daquele hospital. A obra era construída por uma empreiteira daquela época, hoje é tudo diferente. Tinha uns 40 pedreiros, mais uns 30 que trabalhavam em atividades diversas. O bonde chegava na Rua Campos Salles, entre as Ruas Tiradentes e Rosário, tinha o desvio do bonde, às vezes o bonde que ia para a Vila Rezende ficava parado, esperando no desvio o bonde que vinha no sentido contrário. Eu ficava meio tenso, tinha receio de que o bonde saísse dos trilhos. Várias vezes o bonde saiu dos trilhos, uma vez eu estava dentro do bonde quando ele saiu dos trilho, dá um soco que se você não estiver preparado pode cair do bonde. Quando eu ia levar o pagamento do pessoal que estava trabalhando na construção do Hospital, eu ia por volta das nove horas da manhã e voltava por volta das 14 horas. Tinha muita gente, às vezes tinha aquele que não podia abandonar o serviço naquela hora, estava mexendo com concreto.

A casa da Baronesa ficava aproximadamente em que lugar?

Passando em frente ao Hospital dos Plantadores de Cana, no sentido de direção para o Tio Piracicaba, andando mais ou menos quase 1 quilômetro. Tem uma porteira, é tudo cercado, ali morava o Mário, sua esposa Mercedes, e sua mãe Vitalina, lá também nasceram os filhos. A Baronesa já tinha falecido antes. A área devia ter um alqueire e meio a dois alqueires, lembro-me que íamos a pé passear na casa do Mário. Às vezes o meu pai nos levava de carro. Passávamos o dia na casa do Mário! Meu pai tinha sempre que fazer acerto de contas, assinar contrato, meu pai fez os loteamentos: Jardim Mercedes, Jardim Santana, Jardim São Luiz, que é conhecido como “Pitá”, era assim chamado por ter uma plantação de sisal, era de uma fábrica de corda, a Algarve. de propriedade do Engenheiro Agrônomo Virgílio Lopes Fagundes, e com o sisal ele fabricava cordas. Anos depois ele construiu o edifício Sisal Center.

Lá o meu pai fez o loteamento, o Jardim São Luiz, onde tinha uma capelinha que existe até hoje. Os lotes eram parcelados, o Jardim Santana, o Jardim Vittier, eu era moleque e ia fazer cobrança! O meu pai tinha escritório no Edifício Falanghe, na Rua XV de Novembro entre as ruas Governador Pedro de Toledo e Rua Boa Morte. Ficava na Sala 15. Meu pai datilografava todos os recibos. Não existia computador. Eu pegava os recibos e ia de casa em casa cobrar as prestações dos terrenos. Voltava com o dinheiro! Vinha a pé até a Avenida Rui Barbosa, pegava o bonde e vinha para o centro. No final do trabalho, em torno de 22:00 a 23:00 horas os bondes eram recolhidos na garagem, na Avenida Dr. Paulo de Moraes, ao lado do antigo Tiro de Guerra.

A área imobiliária era um bom ramo de negócio?

Era! Havia poucos corretores, meu pai era praticamente uma liderança na área, em Piracicaba. A empresa dele era bem estruturada, chamava-se Organização Nunes. Quem mais se adaptou com o meu pai no ramo imobiliário fui eu. Meus irmãos não se adaptaram muito. Antigamente não tinha Creci, não tinha esse negócio de fiscalização. Depois que foi instituído o Creci fomos obrigados a fazer o curso de corretor de imóveis. Fui para São Paulo para prestar o exame para corretor de imóveis. Meu Creci é 11.728, atualmente deve estar na casa de centena de milhares. Depois eu montei o meu escritório imobiliário, a Nunes Imobiliária, fazia a venda de imóveis, tive amigos que trabalhavam em conjunto, formamos um círculo de amizades entre corretores. O ramo imobiliário começou a crescer muito, aumentou o número de corretores, tive escritório na Rua do Rosário esquina com a Rua Moraes Barros, era um sobradinho. Ali foi o meu primeiro escritório, trabalhava na parte de vendas e com administração também. Trabalhávamos eu e José Antônio Prison, éramos sócios. Após algum tempo separamos a sociedade e eu fui montar um escritório na Saldanha Marinho, próximo ao Fórum. Fiquei um bom tempo lá. Houve uma  época em que “todo mundo” era corretor! Só que 90% não tinha Creci. Eles atrapalhavam os negócios. O Corretor credenciado tem que cobrar 6%, o não credenciado cobrava 3% sobre a venda.

Quem define a compra do imóvel, a mulher ou o homem? 

Na maioria das vezes é a mulher! Não sei agora, mas no meu tempo a palavra final era da mulher! Se ele falasse “Não!” não adianta insistir, eu perdi vários negócios em função disso! O homem tem uma visão comercial, a mulher tem uma visão afetiva. Quem deu um grande impulso na Vila Rezende foi o Mário Areas Wittier. Até então era um bairro meio isolado, afastado, havia até referências pejorativas quando se falava do bairro. Havia uma rivalidade entre os jovens, se alguém arrumasse uma namorada que morasse na Vila Resende e o namorado fosse do lado de cá do Rio Piracicaba, podiam até chegar as vias de fato, além de palavras ofensivas de ambas as partes! Até dentro do bonde saiam discussões entre os jovens de ambos os lados do Rio Piracicaba.

O senhor casou-se?

A minha esposa já é falecida. O nome dela é Ivone Vieira Nunes, casamos em dezembro de 1967, eu tinha 21 anos e ela 20. Começamos a namorar em 1962. Casamos na Igreja Sagrado Coração de Jesus, a Igreja dos Frades.

O senhor lembra-se do nome do celebrante do casamento?

Houve uma época em que eu e meus irmãos ficamos como internos no Colégio São Joaquim, na cidade de Lorena. Permanecemos por um ano e meio lá. O Padre Gutenberg que no período em que permanecemos internos, ele estava lá, foi transferido para o Dom Bosco, ele que fez o meu casamento aqui em Piracicaba. Assim que ele foi transferido, ele procurou saber sobre nós, eu, meus irmãos.

O senhor tinha vocação para ser padre?

Não, eu não tinha. Meu irmão mais velho cogitou alguma coisa, em ir para Lavrinhas e estudar para a carreira sacerdotal. Mas foi coisa de momento. Não prosperou a sua ida e nem a pretensa carreira religiosa. Eu na verdade gosto de mexer com boi, esse é o meu fraco. Quando era pequeno, mesmo antes de ir para o colégio, na época eu tinha uns 10 anos de idade, na Estação da  Paulista tinha uma desembarcadeira de gado eu ia lá ajudar no desembarque. Ajudar a abrir gaiola de boi, minha paixão era aquilo lá. Não me adaptei no colégio interno com hora para tudo: dormir, acordar, estudar.

Qual era o caminho que a boiada fazia até o frigorífico?

A boiada saia da Paulista, na Rua do Rosário, esquina com a Avenida Dr. Paulo de Moraes, ali havia um mangueirão enorme. Os vagões de gado cortavam a Rua do Rosário, a locomotiva deixava os vagões ali, desengatava e ia embora, cada vagão tinha uma comunicação com o outro quando se abria uma porteira por um sistema de cordas e carretilhas, abrindo ambas as porteiras o gado ia atravessando de um vagão para outro e sendo descarregado no mangueirão. Eram desembarcados 200 a 300 bois.

E para levar os bois até o frigorífico?

Eles soltavam a boiada, que descia a Rua do Rosário, os bois iam andando, soltos, ia até a atual Rua Ulhôa Cintra, subia a Rua Luiz de Queiroz, saía na Ponte Irmãos Rebouças, atravessava a ponte, eu ia a pé atrás da boiada, o trânsito todo parava para a boiada passar!  Seguia pela Avenida Rui Barbosa e ia até o fim, em direção ao Frigorífico Piracicaba. Às vezes algum boi teimava em voltar, dava trabalho! Um dia meu irmão e eu estávamos assistindo o desembarque, naquele dia não foi uma boiada, foram 10 a 12 cabeças, tinha mais boiadeiro do que boi! Era um gado meio arisco, gado nelore, e bravo! Eu morava na Rua Ipiranga, escutei o berrante, sabia que iriam seguir pela Ulhôa Cintra, que na época era apenas um caminho de terra, não tinha casa, não tinha nada, tinha uns arbustos cheios de espinhos enormes, estávamos eu e meu irmão mais velho, ele tinha medo. Quando chegou na Ulhôa Cintra, a boiada acho que viu todo aquele espaço aberto, disparou! Alguns voltaram no sentido da Rua do Rosário, não tinha aonde correr, aonde ir! Meu irmão e eu entramos embaixo de uma touceira de espinho, ficamos agachados, me lembro que vi um boi pulando por cima do espinheiro onde estávamos! Era tudo mato, não tinha casa, não tinha nada. Só havia no alto do terreno, um patamar com a piscina do Colégio Piracicabano. (Era onde havia as aulas de Educação Física do Colégio Piracicabano, a entrada era pela Rua do Rosário, tinha uma escadaria imensa até chegar à quadra de esportes e piscina). Outra coisa que sempre tive paixão e sempre quis aprender a tocar: berrante!  Eu tinha um problema respiratório, A receita médica foi para tocar alguns instrumentos de sopro: pistão, corneta, gaita. Meu filho mais velho comprou um berrante para mim, era grande. Acho que foi uma das maiores alegrias da minha vida! Ele disse-me: “O berrante está aqui! Quero ver o senhor tocar!”. Eu nunca tinha tido a oportunidade de tocar aquilo lá, fui tentando, acho que meia hora depois eu estava tocando berrante! Quando foi feita a minha última mudança, para o local onde resido, misteriosamente e infelizmente o meu berrante desapareceu! A mudança veio primeiro e nós viemos depois. Não sei se voltou junto com o caminhão, só sei que até hoje estou procurando esse dito cujo e não acho. Ele ficou muitos anos na minha casa, dependurado na parede, porque lá eu não podia tocar, eu pegava o meu carro e vinha na Rua do Porto ou na Agronomia (Esalq), ficava tocando o berrante!

E futebol, o senhor jogou?

Na verdade, eu era ruim de bola! A minha posição era lateral direito. Como lateral direito joguei no time da Sobar, que era dos Camolesi, ficava no Bairro Dois Córregos. Tinha um campo muito bonito, melhor do que de alguns times profissionais. Tinha um senhor da família Camolesi que cuidava do campo com muita dedicação. Eu joguei no Segundo Quadro, nunca joguei no Primeiro Quadro. Mas nenhuma vez sentei no banco de reserva. Eu jogava com a camisa de número 2. Tinha um menino pequeno que ficava na beira do campo gritando: “Vai numero 2! Vai numero 2!”  Depois de muito tempo encontrei com um moço que me perguntou se eu me lembrava de: “Número 2!”, disse-lhe que alguém falou número 2 para mim. Na hora ele disse-me “Era eu!”.

Tem um boiadeiro que fez fama pela sua estatura e habilidade no trato com os bois?

Era o Ditão! Funcionário do Frigorífico Piracicaba. O meu pai foi administrar a contabilidade do Frigorífico Piracicaba, eu já conhecia o Ditão da desembarcadeira. Encontrei com ele no frigorífico, quando ia chegar vagão de boi ele me avisava. Eles vinham a cavalo e traziam dois ou três cavalos, com tudo arrumado, que vinham sendo puxados, eram “os reservas”, quantas vezes eu ia indo para a escola e encontrava com os boiadeiros que iam para a desembarcadeira! Eu mudava o meu caminho e não ia para a escola, ia ver os boiadeiros tocando os bois! Chegava depois, eles contavam para o meu pai, você já pode imaginar o que acontecia!

Lembro-me de que morávamos na Rua Floriano Peixoto, 426, nessa época a boiada descia a Rua do Rosário até a Rua São Francisco, descia a Madre Cecília que terminava no muro de uma chácara ali. Passava pela chácara do Vevé, e tinha a chácara do Juca, o muro das duas chácaras se encontravam, a Rua Madre Cecília não continuava, hoje ela continua, a boiada virava ali, acho que era um feriado, um domingo, não me lembro, mas a família estava almoçando. De longe eu escutei o berrante, era o boiadeiro descendo a Rua Madre Cecília, meu pai já começou a olhar feio para mim, na hora em que percebi que a boiada estava passando, larguei o almoço, larguei tudo e fui atrás da boiada! A minha paixão é ouvir o toque do berrante!

Eu gosto muito de músicas sertanejas, principalmente as que tocam o berrante! Ouço 10 vezes aquela música! Tem uma música que é do Pedro Bento e Zé da Estrada em uma das músicas eles convidam um menino de 10 anos que toca o berrante na música, é uma maravilha! O mesmo toque que ele faz na música eu sei fazer!  Eu tocava várias modalidades de toque, aprendi por força da minha vontade, nunca ninguém me ensinou.

O senhor tem filhos?

Tenho dois filhos: um que mora em Piracicaba e outro que mora em Fortaleza, se formou Engenheiro de Pesca, ele tem uma filha que no ano que vem forma-se em medicina, e o menino está cursando o ITA. De filhos e netos estou muito feliz.

 

 

 

 

 

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