
Texto proposto pelo Executivo vai de encontro ao conceito de assistência social, priorizando a vigilância e punição ao invés do cuidado.
A oradora Débora Cristina Gouveia de Paula, representante do Consea (Conselho Municipal de Segurança Alimentar), voltou a discursar na Tribuna Popular da 67ª Reunião Ordinária da Câmara, nesta segunda-feira (17), para criticar o projeto de lei 281/2025, de autoria do Executivo, que estabelece protocolos de segurança alimentar para pessoas em vulnerabilidade social. A proposta foi aprovada em segunda discussão.
De acordo com a oradora, o texto proposto pelo Executivo vai de encontro ao conceito de assistência social, priorizando a vigilância e punição ao invés do cuidado.
“A primeira coisa que eu gostaria de pontuar aqui hoje é a função da assistência social. A função das políticas públicas, da assistência social é, cuidar. A gente está falando de cuidado, a gente está falando das populações em maior situação de vulnerabilidade serem cuidadas pelo Estado. E aí eu penso numa situação que a gente está atualmente, em Piracicaba, vocês, moradores, vereadores, realmente será que a prioridade da assistência social tem que ser vigiar e punir aqueles que estão sendo solidários, que estão cumprindo um papel do Estado quando esse Estado falha no básico, que é o direito à alimentação?” questionou.
Ela também frisou a importância dos conselhos municipais na construção de políticas públicas, e defendeu que as ponderações por eles trazidas sejam levadas em consideração:
“A função dos conselhos não é de ficar discutindo, de ficar fazendo as coisas serem mais demoradas. Não, pelo contrário. O papel do conselho é a articulação. A gente trabalha, a gente se dispõe para trabalhar pelo município, é a sociedade civil, pensando e, objetivamente, colocando em pauta políticas públicas possíveis para que a gente diminua, mitigue a situação de vulnerabilidade social e a situação da insegurança alimentar e nutricional dentro do município”.
A representante do Consea ainda leu diversos trechos de uma Nota Técnica do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, recebida no expediente da 67ª Reunião Ordinária, que opina pela rejeição do projeto em sua integralidade.
A oradora, em sua fala, destacou que a Nota aponta que não fica claro no projeto de lei de que forma será feito o cadastro, os critérios para aprovação das organizações e das pessoas físicas, quais documentos deverão ser apresentados, entre outros, “deixando grande margem de discricionariedade para que o poder público realize, em detrimento de maior alcance desejado e necessário para tais iniciativas sociais”.
O cadastro atualizado, segundo o documento lido, traz uma exigência burocratizada para o acesso à população em situação de rua à alimentação adequada, e cria obrigações adicionais para que as pessoas em situação de extrema pobreza acessem o direito à alimentação adequada.
“Trata-se de uma exigência discriminatória por desconsiderar em absoluto o caráter transitório que pode ter a situação de rua ou certas vulnerabilidades sociais. Por tal caráter transitório é que não se fala em população de rua ou morador de rua, e sim população ou pessoa em situação de rua”.
A nota ainda sugere que ao transferir à sociedade civil responsabilidades que são próprias do Estado e impor-lhe riscos e obstáculos para o exercício da solidariedade, o projeto enfraquece as redes de apoio que hoje suprem as lacunas da atuação estatal no combate à fome.
“Olha o tanto de coisa que precisa ter para poder doar uma comida para alguém em situação de fome. O que transfere para as organizações sociais uma obrigação que é, em princípio, do poder público, qual seja a realização da política pública de limpeza urbana. Frisa-se que já existem diversas outras atividades no município que também geram resíduos. As feiras livres, o comércio formal e informal de alimentos em carrinhos, as tendas e barracas, todas essas contam com o serviço público de limpeza urbana. Mas aí, no caso, impor apenas aos voluntários que distribuem a comida para a população em situação de rua, me parece bastante discriminatório, não só a mim, mas como ao parecer da Defensoria Pública”, acrescentou a representante do Consea.
Ela concluiu: “mais uma vez, aqui como Consea, a gente está pedindo a retirada dessa PL, que a gente possa fazer toda essa discussão de uma forma mais ampla, uma forma que realmente estruture o município de Piracicaba, no sentido de ter uma política pública de segurança alimentar e nutricional. Não adianta a gente chegar e impor um novo método de fazer, achando que é isso que vai salvar todo mundo. Tem aí os conselhos atuando, pensando, trabalhando conjuntamente com a sociedade civil, com o poder público, com as universidades. Muita gente pensando e atuando nisso. A gente precisa levar a sério os posicionamentos do Conselho.”