
O jornalista e radialista João Umberto Nassif entrevista Antônio Marchioni, 87 anos, segue ativo e é referência na produção musical em Piracicaba
Quem observa Antônio Marchioni, 87 anos, pilotando seu triciclo pelas ruas de Piracicaba, dificilmente imagina a vitalidade e a trajetória que o acompanham. Autodidata e apaixonado por música, ele domina com precisão as técnicas de gravação em seu próprio estúdio de som, onde produziu e lançou inúmeros artistas — muitos deles alcançaram sucesso nacional.
Marchioni foi o segundo profissional a gravar o tradicional “Jingle da Pamonha”, peça publicitária que se tornou um símbolo da cidade e impulsionou as vendas do produto em diversas regiões do Brasil. Também é responsável pela gravação da dupla Craveiro e Cravinho, intérpretes do clássico “Franguinho na Panela”, uma das músicas mais conhecidas da música caipira.
Com um trabalho versátil, suas produções abrangem desde modas de viola até pagode e axé, sempre com qualidade técnica e sensibilidade artística.
Ex-funcionário da Philips, empresa que manteve operações em Piracicaba no passado, Marchioni se emociona ao recordar os anos de trabalho e a relação de respeito que mantém com a companhia, mesmo após sua saída do país. “A Philips sempre cuidou de mim. Foi uma parte importante da minha vida”, afirma, com emoção.
Reconhecido pela dedicação, fé e entusiasmo pela vida, Antônio Marchioni é considerado um exemplo de superação e paixão pelo que faz. Sua história representa a força de quem transforma talento e perseverança em legado para a cultura piracicabana.
Inicialmente, qual o nome completo do senhor?
Antônio Marchione, sou descendente de italianos! Sou natural de Rio Claro, onde nasci no dia 28 de setembro de 1938.
O senhor é casado?
Sou casado por duas vezes. A minha primeira esposa, Beatriz Rosolen Marchioni ela faleceu. A minha segunda esposa é Josefina Crispim Marchioni, desde criança a chamavam de Vilma. Tenho um filho do primeiro casamento, o Marcos.
Em que ano o senhor mudou-se para Piracicaba?
Mudei em 1972. Na época eu estava com 34 anos de idade. Lá em Rio Claro eu trabalhava na roça, cortava cana, trabalhava com trator, carregava toda cana no braço, naquele tempo não tinha máquina para carregar a cana no veículo de transporte! Naquela época havia muita geada, a palha da cana ficava branca de gelo. Era comum a Usina quebrar, os carros ficavam lá esperando, às vezes eu me cobria com um saco de ferramentas, não tinha nada para me cobrir de noite! Passava muito frio!
Qual era o nome do seu pai?
Francisco Marchioni e a minha mãe Emília Marchioni. Eles tiveram nove filhos, eu sou o mais velho. Graças a Deus estamos todos vivos. Ele trabalhou muito, levava cana em um carroção de quatro rodas de madeira e aro de ferro, puxado por quatro burros. Debaixo de sol, de chuva.
O senhor veio sozinho para Piracicaba ou veio toda a família?
Vim sozinho. Eu nasci em Rio Claro, mas morávamos em Paraisolandia, foi lá que eu cresci. Era uma vida difícil. Com o tempo nós compramos um tratorzinho Ford ano 1951, branco. Depois compramos um caminhão Chevrolet 1948, que com ele puxávamos cana, mas trazia uma carga pequena. Às vezes não dava partida, tinha a manivela, que tinha que virá-la para pegar, o perigo era o movimento involuntário no sentido contrário e causar algum acidente em quem estava acionando a manivela. Naquele tempo na roça havia muitos formigueiros. O Chevrolet carregado de cana atolava em um formigueiro, tínhamos que descarregar tudo, para ficar mais leve, desatolar e carregar de novo! Hoje o controle delas ficou muito mais eficiente através do desenvolvimento de novos produtos.
Nessa época o senhor começou a aprender a dirigir?
Eu já trabalhava com o tratorzinho. Algum tempo depois compramos um trator melhor, com esse trator eu quase matei o meu pai! Nós emprestávamos a roçadeira para roçar pasto, eu inventei de querer fazer uma roçadeira. O trator que nós tínhamos tinha uma polia do lado, eu peguei umas ferramentas de arado, mais outras ferramentas, eu fiz através de um sistema de correntes um sistema para girar uma roçadeira que eu tinha criado. Eu nem via a corrente girando, tal a velocidade, só ouvia um chiado. Meu pai estava do outro lado da estrada olhando. Entrei em um barranco, quebrou a corrente que voou para os lados do meu pai! Se o atingisse, poderia cortar o meu pai pela metade!
A carreira de engenheiro mecânico do senhor parou por aí…
Parou por aí!
Mas o senhor, pelo jeito, já tinha o espírito criativo!
Já tinha sim!
Nessa época o senhor já dirigia caminhão?
Já dirigia o Chevrolet 1948. Depois compramos um caminhão Ford 1961. O diferencial desse caminhão quebrava muito! Depois compramos um caminhão maior, lá em Saltinho. Esse era de outra marca e não quebrou mais depois.
O senhor entregava cana em qual usina?
Na Usina São Francisco que ficava a uns 4 quilômetros do sítio e na Usina Tamandupá que ficava a uns 12 quilômetros.
O senhor casou-se quando morava lá?
Eu me casei na Igreja de Ipeúna. Minha mulher era de lá. Permaneci trabalhando com o meu pai por mais 10 anos. Saí quando tinha 34 anos. Foi quando vim para Piracicaba. Um primo da minha mulher trabalhava na Casa São Francisco, que trabalhava com instrumentos e aparelhos de som. Esse primo da minha mulher era gerente da Casa São Francisco, ele arrumou um serviço como motorista, providenciou minha Carteira de Habilitação, foi uma das pessoas que me ajudaram no passado. Trabalhei um ano na casa São Francisco. Depois trabalhei por pouco tempo na Casa San Remo.
A seguir o senhor foi trabalhar onde?
Fui trabalhar na fábrica de papel que ficava no Bairro Monte Alegre. Lá eu fui trabalhar com empilhadeira. Eu morava na Vila Monteiro, tinha ônibus que nos levava. Fiquei sabendo que a Philips estava vindo para Piracicaba. Ela estava com escritório na Rua Boa Morte, próximo ao Colégio Assunção. Era o comecinho da Philips em Piracicaba, eles me disseram que iriam precisar de operador de empilhadeira. Fiz a ficha e fui trabalhar no meu serviço na fábrica de papel. No outro dia, uma pessoa da Phillips me ligou dizendo: “Antônio! Você precisa começar amanhã!” Como fui pego de surpresa, pedi mais um dia para começar. Fui até o escritório da empresa de papel, quem tomava conta era o Chico. Eu disse-lhe: “Chico! Amanhã eu não venho mais!” Ele tentou me convencer a permanecer na empresa, disse-me que caso eu saísse teria que pagar um mês de salário. Eu disse-lhe que pagaria, mas que não iria mais trabalhar. No final não descontaram nada, eu saí e fui para a Philips. Na época a Philips alugou um prédio em Rio Claro, até construir a sua fábrica em Piracicaba. Nós íamos para Rio Claro, todos os dias, de ônibus. Às vezes não dava para fazer todo o serviço no expediente normal, o gerente trazia de carro à noite. Depois a Philips instalou-se no prédio que tinha construído.
O senhor permaneceu na Philips por quantos anos?
Fiquei desde 1974 até 1982, quando fiquei doente. Eu tive um problema no quadril, a Philips me levou para Campinas na época. A Philips fez tudo para mim. Quando fui internado em Campinas pela primeira vez, foi em 1982, as enfermeiras me disseram: “Antônio, nessa cama quem estava deitado e saiu esses dias, curado, foi o Careca, jogador da Seleção Brasileira de Futebol”. Careca, era assim que chamavam Antônio de Oliveira Filho.
Deu sorte para o senhor?
Deu sorte! É um hospital pequeno, mas é um hotel! A forma de tratar as pessoas, os recursos médicos, a alimentação, tudo muito especial. Em 1985 eu operei mais duas vezes em um ano. De 1985 até 1994 houve uma evolução da doença, minha perna vinha até na barriga, eu não podia pensar em pisar no chão. Se eu virasse a perna ficava do lado! Não podia operar mais, estava com as plaquetas baixas, uma deficiência grande. Em Campinas não tinha Banco de Osso, a Assistência Social da Philips me levou para a Santa Casa de São Paulo na época. Foi lá que eu comprei esta prótese, fui operado pelo diretor da Santa Casa, Dr. Emerson Honda, (Sr. Antonio fica muito emocionado).
Sua determinação, caráter, fé, abriram-lhe muitas portas. Após um longo período de recuperação, o médico fez alguma recomendação especial?
O médico disse-me: “Você está emagrecendo muito Antonio! Tem que fazer alguma coisa para se ocupar. Pense em alguma coisa!”.
O que o senhor decidiu fazer?
Eu vi uma máquina de bordado industrial. Fui fazer um curso para bordar. A Philips na época (Seu Antonio não consegue conter a emoção!) me deu uma máquina industrial. Tirei o diploma, tinha mais 45 senhoras fazendo o curso! Duas senhoras foram na minha casa para eu acabar de ensiná-las. Eu bordava toalha, colcha, eu ia comprar pano em Santa Bárbara D’oeste, Americana, bordava e vendia. Bordei por quatro anos. Saí do ramo quando saíram os bordados computadorizados.
O senhor tem um amor pela parte técnica do som. Isso deve ser desde o tempo em que trabalhou na Casa São Francisco! Como foi a história da pamonha?
A história da pamonha foi logo no início, quando eu comecei, o Zilo, irmão do Zé Mineiro, eu fiquei sabendo que o Araujo também andou gravando alguma coisinha para ele, gravei muitas vezes para o Zilo, o jingle (mensagem musical) da pamonha. E gravei para várias pessoas que colocavam a caixa de som no carro e vendiam só pamonha também! Há pouco tempo passou uma senhora vendendo pamonhas, eu escutei e pensei: Conheço essa voz!”. Ela disse-me: “Antonio! É aquela gravação que você fez!” Já fazia alguns anos que eu tinha gravado. A locução era da própria pessoa. Às vezes a pessoa não tinha jeito, eu ia orientando e acabava saindo.
O senhor já ajudou muita gente a entrar para o sucesso com a música?
Tem de tudo! Pessoas que fazem muito sucesso, outros dispararam, mas não conseguiram manter, já apareceu gente com muito talento e voz maravilhosa, uma delas foi a Tereza, que foi classificada em primeiro lugar no programa do Edson “Bolinha” Coury, quem acompanhava-a no violão era um craque, também tinha voz boa, totalmente deficiente visual. A voz dela além de bonita era possante.
Tem uma música que o senhor gravou em seu estúdio pela primeira vez, e depois ela foi trabalhada em um grande estúdio, estourou nas paradas?
É o grande sucesso “Franguinho na Panela”! Com Craveiro e Cravinho. Eu fiz essa gravação faz uns 25 anos. Eu gravei em fita cassete, o microfone era do Paraguai, um microfone ruim. Eu gosto de música, principalmente as mais antigas. Com viola, violão, sanfona. Atualmente tenho meu estúdio, porque a música nos traz alegria.
A sua esposa como que ela vê a sua postura de gostar tanto de música assim?
A minha esposa é de São Paulo, ela veio para Piracicaba um pouco antes de casarmos. Na época em que a minha primeira esposa tinha falecido eu trabalhava na Philips, a empresa colocava uma eletrola que tocava o dia inteiro, eu nunca me esqueci dessa música: “Tema de Lara”. Eu trabalhava com a empilhadeira e trabalhava chorando o dia inteiro! Eu tinha uma colega, que trabalhava com a Vilma, essa colega me disse: “Antonio! Você não pode levar essa vida! Você tem que arrumar alguém, você tem um filho pequeno!” Na época meu filho tinha 12 anos. Minha amiga marcou um encontro meu com a Vilma. Eu não fui. Após algum tempo, marcaram outro encontro, eu fui, nos encontramos, eu sempre fui tímido. Acabamos nos casando. Estamos juntos até hoje, ela é uma mulher maravilhosa. (Seu Antonio se emociona). A minha primeira esposa foi maravilhosa também. A Vilma, minha atual esposa, sempre esteve presente, ao meu lado. Eu já fiz 10 cirurgias. Ela sempre me cercou de atenção e carinho. Quando me tratei em São Paulo, no quarto tinha 9 ou 10 pessoas. A maioria fumando! Depois passou a ter apenas três pessoas. (Antigamente, coisa de algumas décadas, alguns médicos fumavam em seus consultórios particulares e atendiam pacientes!)
E cururu, o senhor gravou?
Só não gravei Nhô Serra, Parafuso e Pedro Chiquito. Os demais gravei todos que conheci. Tem os que eu não conheci. A maioria que eu conheci já faleceu. O bom cururu é muito bonito. Eu gosto. Quando meu pai comprou o caminhãozinho, ele arrumou um serviço no DER – Departamento de Estradas de Rodagem, em Piracicaba. Naquele tempo estavam fazendo asfalto na Rodovia Cornélio Pires, no trecho até Tietê. Puxávamos pedregulho para fazer o desvio da estrada para poder asfaltar. Eu dormia em uma casinha situada próxima ao Terminal de ônibus no centro de Piracicaba. Um dia pela manhã, o meu caminhão não pegou. Estava passando um tratorista, eu fiz sinal para ele parar e se podia ajudar a puxar o caminhão. Era o Pedro Chiquito! Puxando o caminhão, ele começou a cantar: La-la-laiiiii….Eu não sabia que era ele. No velório do Nhô Serra eu fui. O filho dele, o Serrinha, chegou a gravar uma música comigo.
Do que o senhor tem mais saudade de Piracicaba de antigamente?
Da Philips! É difícil! (O Senhor Antonio comove-se, seus olhos estão marejados). É difícil falar da Philips! Eu me aposentei por invalidez com dois salários e meio, foi caindo, caindo, hoje recebo 1 salário pelo INSS! E recebo uma ajuda da Philips até hoje, sendo que a Philips foi embora do Brasil! Já pensou? (Seu Antonio está visivelmente emocionado). Lembrando da Philips, é duro ficar sem chorar!
Esse depoimento do senhor é uma verdadeira declaração de amor à Philips!
Lá tinha muitas amizades!
O senhor tem um triciclo?
Minha vida quanto a dirigir veículos foi um pouco complicada. Quando operei o quadril, na primeira vez, tomaram a minha Carteira de Habilitação profissional e a de motociclista. Depois quando operei em São Paulo, que fizeram o meu quadril de novo, fui conversar com o médico que tinha me aposentado por invalidez, eu procurei o médico e disse-lhe que queria a minha carta de motorista e motociclista de volta. Ele disse que eu não podia mais dirigir. Disse-lhe: “Agora o senhor acabou de cortar a minha perna!”. Ele mandou-me para Campinas com um envelope fechado. Fui para o 7° Ciretran de Campinas. O médico me examinou, e disse-me: “Tudo bem, Antonio! Dá para você andar de moto sim!” Mandou comprar uma moto até 150 cilindradas, com partida. Naquela época quase não existiam motos com essa cilindrada com partida. Vi no jornal que uma pessoa de Artemis tinha ganhado uma moto em um rodeio na cidade de Belo Horizonte. Comprei a moto, fui fazer o teste em Campinas para tirar uma carta nova. Consegui tirar a carta de moto, três meses depois eu fui acertar a documentação de um carro Santana automático que eu tinha. O delegado que me atendeu disse-me: “A primeira coisa Antonio, é recolher a sua carta de moto, eu não deveria ter dado a carta, se você acidentar-se não vai ficar bem para mim”. Eu disse ao delegado: “Dr, em Piracicaba tem gente que coloca duas rodas atrás da moto, e aquilo lá não tem carta não. Eu preciso me locomover! Como vou fazer?”. Quando fui no Poupatempo de Campinas, ainda não existia em Piracicaba, estava a isenção do meu carro Santana, que eu havia solicitado e estava junto com a carta como apto para dirigir moto adaptada: triciclo! Tinha que fazer o triciclo em uma empresa autorizada, achei em Campinas mesmo uma autorizada que fez o meu triciclo, passou pelo Inmetro na Unicamp.
O senhor viajava com o triciclo?
Viajava! Ia para Rio Claro, uma vez saí de casa à meia noite, sozinho, isso já faz uns 4 anos, e fui até Pirapora do Bom Jesus, que fica a cerca de 129 quilômetros de Piracicaba. Em setembro eu fiz 87 anos de idade! Estou dirigindo bem, tanto o carro adaptado como o triciclo!
O senhor tem alguma crença religiosa?
Sou católico, devoto de Nossa Senhora Aparecida (Nossa Senhora da Conceição Aparecida), se eu fosse contar quantas graças eu recebi de Nossa Senhora Aparecida! Do lado do meu rosto deve ter uma pequena manchinha. Essa manchinha formou um câncer, passei no Postão, fui encaminhado para a AME- Ambulatório Médico de Especialidades, fui encaminhado para o Hospital da Cana. O tumor já estava com uns 2 centímetros. Um dia fui com o meu filho no Recreio, pescar no Rio Corumbataí, no meio do mato tinha uma gruta com a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Eu estava nessa situação onde nada se resolvia, um dia peguei o triciclo e fui sozinho lá, rezei para a santinha e pedi ajuda. (Sr. Antonio, emociona-se, com olhos embargados). Algum tempo depois, o tumor foi sumindo, eu voltei mais três vezes para agradecer a santinha. Eu tratava em Rio Claro a parte de coração, próstata. Quando eu tinha ido a última vez, estava com o tumor no rosto. Quando eu voltei, o médico perguntou-me se eu tinha operado o tumor. Eu disse-lhe: “Não doutor, não operei! Se eu contar para o senhor, possivelmente o senhor não irá acreditar!”. Perguntei qual era a religião dele, disse-me que era espírita. Ele pediu-me que contasse o que tinha acontecido. Ele escutou-me, no final disse-me: “Antonio, a sua fé te curou, mas não foi só a fé, o merecimento também”.